Vida ou morte

‘Impeachment de Bolsonaro é urgente. A cada dia com ele mais gente morre’, diz jurista

“Estamos naturalizando isso e não podemos. Se o país não quer ser destruído, tem de decretar impeachment de Bolsonaro já”, defende o jurista Pedro Serrano

Secom
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Pedro Serrano avisa: "eu não sei se vai haver Brasil em 2022 se continuarmos assim. O impeachment é urgente. É uma exigência, não é uma opção"

São Paulo – O jurista Pedro Serrano é categórico. Para ele, a única saída hoje para o Brasil é o impeachment do presidente Jair Bolsonaro. A conduta do ex-capitão na pandemia do novo coronavírus, avalia, é extremamente grave. “Ele vulnera os mais relevantes princípios e valores que tem numa Constituição democrática que é o direito à vida e à saúde da população. Não há nada pior do que isso”, afirma Serrano, para quem a conduta de Bolsonaro está no nível de grandes genocídios. “Ele está nesse tipo de categoria. De promover morte e doença da comunidade em grande extensão por ações e omissões, principalmente. Essa conduta agora se ‘consagra’ com essa catástrofe da política pública da questão da vacina.”

O advogado observa que, sob Bolsonaro, a Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) é empecilho a um programa de imunização contra a covid-19. “Foi o que aconteceu com essa empresa americana, que foi tentar iniciar o diálogo para obter uma licença provisória da vacina e a Anvisa criou uma série de obstáculos. A Anvisa, em que o diretor de vacinação posto por Bolsonaro é um tenente coronel. Isso tudo exige uma conduta imediata das instituições”, ressalta.

Bolsonaro está destruindo consensos lógicos fundamentais para a vida em sociedade, reforça Serrano, professor da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), pela qual é doutor e mestre em Direito.

“Temos uma parte da comunidade brasileira falando contra a vacina, defendendo que o vírus não existe, enquanto o parente morre no hospital. É isso que estamos vivendo, e isso é a absoluta degradação da sociabilidade. É tanta atrocidade, que esse homem fala todos os dias e seus seguidores repercutem. E estamos naturalizado isso. É a pior coisa pra nós. Não podemos aceitar. Se o país não quer ser destruído, tem de decretar impeachment de Bolsonaro já.” Acompanhe a entrevista:



Maia é corresponsável

Pedro Serrano avalia que o Poder Legislativo, quando se omite, comete atentado à Constituição quase tão grave quanto os cometidos por Bolsonaro. “É uma imoralidade. Tem de tirar urgente esse homem do poder, decretar o impeachment dele com a máxima celeridade, porque a cada dia que ele permanece é mais gente que tem riscos à sua saúde, à sua vida, e mais gente que morre. E não há mais nada que possa ser mais grave do que isso.”

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), também estaria cometendo crime quase tão grave quanto os de Bolsonaro, porque ele se omite por interesses de poder, avalia Serrano. “Ele abandona o povo à morte e a problemas graves de saúde por se omitir em relação ao seu dever político e moral que seria por um fim nessa trajetória criminosa com o país que o governo Bolsonaro tem realizado”, explica o jurista.

Segundo ele, Maia tem cumprido péssimo papel na República, pelas omissões criminosas em não atuar na questão do impeachment de Bolsonaro. “Se ele tivesse atuado de forma adequada, talvez hoje já teria gente sendo vacinada, tendo a vida salva. Rodrigo Maia é corresponsável, junto com Bolsonaro, por toda essa devastação que a pandemia está provocando no país.”

Democracia devastada

O jurista critica o que chama de “desprezo” a essa saída via impeachment de Bolsonaro. “A maioria das pessoas que têm o mínimo de equilíbrio mental e afetivo são oposição ao Bolsonaro. Mesmo que tenham votado nele, não aceitam o que ele tem feito na pandemia. Mas acham que de uma forma ou de outra ele vai chegar ao fim do governo desgastado e que vai ser possível pela democracia retirá-lo, pelo voto. E daí você recupera o país. Não é possível”, alerta. “Esse homem está ocasionando uma tamanha devastação que sabe-se lá que país vamos ter depois de 2022. Sabe-se lá se vamos ter uma democracia. Democracia não é só voto. Democracia common ground. Um solo comum de valores, um solo comum lógico. E as pessoas estão perdendo até isso.”

Serrano lembra que tem gente falando que a Terra é plana, negando a ciência. “As palavras estão perdendo o sentido que têm. O processo comunicativo vai se deteriorando (sob Bolsonaro). A linguagem deixa de ser o lugar do comum e passa a ser o lugar da apropriação privada de sentido, onde eu empresto às palavras o sentido que eu quero que elas tenham. Ou seja, até o senso lógico de vida social está se deteriorando no país.”

Que Brasil em 2022?

O jurista explica que o sentido moral mínimo que existe em qualquer sociedade é a garantia da vida e da saúde de seus integrantes. “A única razão da estratégia humana na Terra sempre foi a sociabilidade como estratégia de sobrevivência. Quando se perde isso, se perde o vínculo humano. É muito grave isso que estamos atravessando. Eu não sei se vai haver Brasil em 2022 se continuarmos assim. O impeachment é urgente. É uma exigência, não é uma opção. Não há outro caminho de civilidade que não seja o impeachment de Bolsonaro.”

E cita uma entrevista do fotógrafo Sebastião Salgado. “Ele estava na África. Tinha uma espécie de um morro de corpos humanos. E ele viu uma mãe com um bebê, aparentemente o filho dela, chegar e jogar o corpo do bebê naquele morrinho de corpos e ir embora, sem nenhum sinal de emoção. Ele falava: ‘como o ser humano se adapta à desgraça!’.”

O relato, lembra Serrano, era porque Sebastião Salgado tinha ficado 10 anos sem vir a São Paulo. E ficou surpreso em ver como a cidade tinha se deteriorado e as pessoas, se adaptado. “Nós estamos nos adaptando a essa devastação que é o governo Bolsonaro. Estamos normalizando, e isso não é normal”, destaca. “Ele não é apenas um governo de extrema direita. Veja Hungria, Estados Unidos, Reino Unido. São governos de extrema direita, mas estão vacinando a população. Estão procurando realizar essa tarefa mínima de sociabilidade de Estado que é salvaguardar a vida e a saúde das pessoas. Bolsonaro graceja com isso, ridiculariza. E leva parte da comunidade a rir disso. A desconfiar da vacina. A ter medo da vacina e não ter medo do vírus. Veja como há uma absoluta inversão naquele consenso lógico que faz a vida social.”

Sem razões para adiar

Não há nenhum motivo nos campos jurídico, político e moral para ficar adiando o impeachment de Bolsonaro, diz Pedro Serrano. “Ao contrário. Todas as razões apontam para uma necessidade imperiosa de se decretar imediatamente o impeachment dele. Pois é uma necessidade do país e da vida das pessoas.”

Raciocínios de cálculo político – como de que se ele poderia se fortalecer, se seria o momento, se é melhor ele se esvaziar – são cálculos típicos de disputa de poder. “Não podemos pensar assim. Tem certos momentos na vida política do país em que não se deve pensar por cálculo político. Deve se pensar por razões de justiça. Por valores morais de vida em comum. Senão a população vai sair devastada nesse processo. Seja no plano da saúde pública ou no plano econômico”, alerta. “A única razão de justiça que há hoje a ser realizada no país é o impeachment de Bolsonaro. Não há outra proposta mais urgente ou necessária que essa.”

O jurista classifica a situação como absolutamente trágica. “É incrível a situação ridícula, histórica que esse país se enfiou ao decretar impeachment de uma presidente legitimamente eleita. Ela teve seus problemas, mas foi decretado impeachment por uma razão absolutamente inconstitucional. As supostas pedaladas fiscais, além de serem meros equívocos contábeis, não foi nem a presidente que praticou. Enquanto esse homem promove, no meio da pandemia, omissões e atos que levam a mortes, a danos à saúde de milhares de pessoas, e não se faz nada.”

Para ele, o país tem uma elite destruidora de vidas que só faz a história do povo brasileiro ser de dor, sofrimento e humilhação. Essa é a realidade em toda nossa história.”

Única saída

Sobre outras possibilidades, que não o impeachment para o afastamento de Bolsonaro, o jurista é cético. “Outra hipótese seria pensar num processo crime. Ao meu ver, algumas dessas condutas poderiam ser caracterizadas como crime comum. Inclusive o próprio crime de epidemia, que é previsto no Código Penal. Mas daí depende do procurador-geral, que é muito alinhado ao Bolsonaro. Tem de propor no Supremo. É outro tipo de processo, é um raciocínio técnico em que a força popular influencia muito menos. Acho que o que está à mão do povo, onde ele pode pressionar, é o impeachment mesmo.”

Os crimes

Bolsonaro deixou de fazer o que estava obrigado como presidente, detalhou Pedro Serrano em artigo à CartaCapital:

  • Deveria ter seguido as recomendações científicas para conter a doença, em vez de estimular o desprezo pela vida.
  • Deveria ter coordenado e planejado as políticas de saúde e sanitárias, função da União, para melhorar a gestão de leitos de UTIs.
  • Garantir o isolamento social, realizar testes em massa, integrar os esforços na busca pela vacina, assegurar o auxílio emergencial para o enfrentamento do período difícil…
  • “As ações e omissões de Bolsonaro levaram seu próprio povo à morte e geraram danos irreparáveis. Isso é crime de responsabilidade. Ao povo, resta afastá-lo” , afirma o jurista.