Rio de Janeiro

Pandemia e 13º colocam funcionalismo em pé de guerra com Crivella

Derrotado nas urnas, prefeito do Rio, Marcelo Crivella, sinaliza com um final de gestão tumultuado no que diz respeito a categorias do funcionalismo público

Tânia Rêgo / ABr
Tânia Rêgo / ABr
Crivella: os professores e demais profissionais da educação decidiram dar continuidade a “greve em defesa da saúde e da vida” e contra a decisão de reabrir as escolas públicas

Rio de Janeiro – Derrotado nas urnas por 64% dos eleitores cariocas, que preferiram não o conduzir a um segundo mandato, o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (Republicanos), sinaliza com um final de gestão tumultuado no que diz respeito a categorias importantes do funcionalismo público municipal. Problemas como o não pagamento de salários, a não renovação de contratos na área de saúde ou a postura negligente da Prefeitura no enfrentamento ao novo momento de ascensão da pandemia de Covid-19 já deram início a uma série de mobilizações.

Em assembleia realizada ontem (1), os professores e demais profissionais da educação decidiram dar continuidade a sua “greve em defesa da saúde e da vida” e contra a decisão de Crivella de reabrir as escolas públicas desde o início de novembro. Na véspera (30) foi a vez dos rodoviários do sistema BRT. Após a confirmação de que a parcela do 13º salário da categoria não seria paga pela Prefeitura, motoristas e fiscais cruzaram os braços, deixando milhares de cariocas sem transporte. Em relação aos profissionais da saúde, o problema é o desinteresse pela renovação dos contratos de médicos e enfermeiros, o que pode causar uma debandada, notadamente no Hospital Ronaldo Gazolla, unidade de referência no tratamento da Covid-19 na cidade.

Durante a assembleia da educação, que contou com a participação virtual de 369 profissionais, houve várias falas, todas elas apontando a necessidade de manutenção da greve e contra o retorno presencial. Os professores aprovaram um calendário de mobilização, com ato simbólico na porta da Prefeitura marcado para 7 de dezembro e nova assembleia dois dias depois: “O quadro agravado da pandemia nos coloca ainda mais diante da necessidade de fechamento das unidades escolares”, afirma a professora Izabel Costa, coordenadora-geral do Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação do Rio de Janeiro (Sepe-RJ).

A sindicalista explica que a greve da categoria é também uma mobilização contra o negacionismo da Prefeitura do Rio em face da pandemia: “Em plena pandemia, Crivella abraçou o discurso negacionista, o que o levou a determinar a reabertura precoce das escolas. Na rede pública, este retorno é uma irresponsabilidade em um momento onde a Covid-19 volta a crescer no Rio. Aliás, em nenhum momento a pandemia foi controlada no Rio e o resultado é este que todo mundo está vendo”, diz.

Izabel afirma que a relação dos profissionais da rede pública de educação com o atual prefeito foi de mal a pior: “No início da gestão Crivella havia uma falta absoluta de projeto para a educação, não havia nada que pudéssemos combater. Mas, esse projeto começou a existir nos dois últimos anos, quando o prefeito se juntou à pauta bolsonarista. Além da falta de investimento na educação, Crivella passou então a adotar o discurso de Bolsonaro, como demonstrou o acordo com o governo federal para a instalação no Rio da primeira escola cívico-militar”.

Outra preocupação dos profissionais da educação é o pagamento do 13º salário da categoria, ainda não confirmado por Crivella. O Sepe-RJ tem audiência marcada para a tarde de hoje (2) com a secretária municipal de Educação, Talma Suane, onde este ponto será o primeiro da pauta: “Nós queremos uma confirmação de que o 13º será pago antes do fim do ano”, diz Izabel.

Escolas interrompem atividades

Segundo um ofício enviado na semana passada pelo Sepe-RJ à Secretaria Municipal de Educação, um total de 180 escolas municipais tiveram que interromper suas atividades por conta dos efeitos da pandemia desde setembro. Neste início de dezembro, o número já se eleva a 267 escolas fechadas.

O Sindicato solicitou a realização de uma audiência pública à Comissão de Educação da Câmara dos Vereadores e também ajuizou na 13ª Vara de Fazenda Pública da Capital ação cautelar com pedido liminar para determinar à Prefeitura que se abstenha do retorno das atividades presenciais nas escolas da rede municipal. A ação ainda está à espera de julgamento: “A ocupação de leitos nas UTIs municipais chega a 95%, a procura de leitos na rede privada sobe 40% e uma pesquisa mostra aumento de testes positivos nas UPAs da capital, o que preocupa médicos e especialistas”, afirma em nota o sindicato.

“É notória a falta de condições necessárias e de estruturação das unidades escolares, conforme protocolos recomendados pelas autoridades científicas, além dos necessários equipamentos de proteção individuais (EPIs) em número e qualidade necessários para prevenção da infecção pelo coronavírus. O retorno das atividades presenciais sem vacina ou tratamento farmacológico aumentará a circulação e a aglomeração que facilitarão mais ainda o risco de contágio, adoecimento e morte, o que ofende o princípio fundamental da Constituição da República de ‘Proteção à Vida, à Saúde e à Dignidade da Pessoa Humana’”, conclui a nota.

Contratos não renovados

Entre os profissionais da saúde, o temor neste fim do ano é materializado pelo fim de contratos sem que a Prefeitura ou as empresas concessionárias acenem com qualquer renovação. Este quadro é mais grave justamente no Hospital Ronaldo Gazolla, ponto de referência municipal no combate à Covid-19. Segundo o Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro (Sinmed-RJ), o hospital, localizado no bairro de Acari (zona norte) perderá um terço dos seus profissionais até o final do ano.

Também por meio de nota, Crivella afirmou que “a Prefeitura já tem novos concursados aptos a trabalhar no Hospital Ronaldo Gazolla”. A postura do prefeito foi criticada pela categoria: “Não é possível que neste momento tão difícil tenhamos que encher o hospital com pessoas que vão começar a aprender aquilo que os profissionais que já estão lá, e que possuem mais condições de salvarem vidas, já sabem”, diz o vereador reeleito Paulo Pinheiro (PSOL), que é médico e integrante da Comissão de Saúde da Câmara Municipal.

Parcelamento do parcelamento

O anúncio feito pela prefeitura de um novo parcelamento em cinco vezes da metade do 13º salário que seria pago na segunda-feira (30) a motoristas e demais profissionais que trabalham no BRT levou a uma paralisação completa das três malhas que compõem o sistema (Transoeste, Transcarioca e Transolímpico). A greve dos ônibus causou, segundo a prefeitura, um engarrafamento com 131 quilômetros de extensão nas ruas do Rio.

O BRT Rio, consórcio de empresários que administra o sistema, se comprometeu junto à Prefeitura a pagar pelo menos 30% do salário devido aos trabalhadores: “A fim de evitar novos transtornos aos passageiros, o BRT Rio utilizará os recursos de compromissos futuros e pagará os 30% restantes da primeira parcela do 13º salário a partir de terça-feira (1). A medida visa, única e exclusivamente, atender às necessidades dos usuários que dependem do BRT para o deslocamento diário”, afirmou em nota o consórcio.

Logo após a derrota nas urnas, Crivella afirmou que a Prefeitura não terá como pagar o 13º salário de todos os servidores municipais no prazo. Em nota, o prefeito afirma que “trabalha no momento para pagar o 13º salário dos servidores, conforme a legislação, até dezembro”. Fontes da Prefeitura, no entanto, afirmam que, se esse pagamento acontecer, não haverá dinheiro em caixa para honrar o salário de janeiro dos servidores.