Moro juiz já teria autorizado condução coercitiva contra o Moro consultor, diz advogada
Para Gisele Citadino (ABJD), conflito de interesses na nova função “é o mais visível possível”. “Moro faz tudo que faz, e não há nenhum tipo de responsabilização”, destaca advogado José Carlos Portella Junior
Publicado 07/12/2020 - 13h36
São Paulo – A nova função do ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sergio Moro continua causando repercussões negativas no meio jurídico. Advogados apontam questões éticas que envolvem conflitos de interesse após ele se tornar sócio-diretor da empresa de consultoria estadunidense Alvarez & Marsal (A&M). Isso porque ele possuiu “informações privilegiadas” de empresas como a Odebrecht e a OAS, que aparecem na lista de clientes da consultoria.
Além disso, essa sua nova função também reforça a tese de suspeição envolvendo o então juiz Moro. Já que a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva apresentou documento emitido pela própria A&M confirmando que o tríplex de Guarujá pertencia à própria OAS.
“Se o juiz Sergio Moro ainda estivesse em atuação ele talvez não tivesse grande dificuldade em decretar alguma espécie de busca e apreensão, talvez até mesmo uma condução coercitiva, em relação ao advogado Sergio Moro”, afirmou a advogada Gisele Citadino.
Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC-Rio, e integrante da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), em entrevista ao programa Revista Brasil TVT, Gisele afirmou que o conflito de natureza ética “é o mais visível possível”.
O contrato de Moro com a A&M prevê remuneração mensal de R$ 140 mil – 1,7 milhão por ano. Pelo acordo, ele também deverá fixar residência nos Estados Unidos. Por esses fatos, Gisele comparou a ação de Moro a uma espécie de “programa de proteção à testemunha”.
“Ele destruiu todas as nossas empreiteiras, e isso é algo que interessa diretamente aos Estados Unidos. Agora ele recebe uma espécie de contrapartida, porque vai viver nos Estados Unidos, ganhando um excelente salário”, declarou.
Suspeitíssimo
A jurista também diz que Moro “se vendeu” ao virar ministro do governo Bolsonaro, após ter decretado a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que era o principal concorrente do atual presidente nas eleições de 2018. Além disso, ela também destacou que as reportagens do The Intercept Brasil tornaram evidente o conluio montado entre Moro e os procuradores da Lava Jato para tirar Lula da disputa.
“O ex-presidente Lula espera, há exatos dois anos, que o Supremo Tribunal Federal (STF) decida pela suspeição do juiz Sergio Moro. Poderia ter feito isso, por exemplo, quando Moro ocupava a função de ministro da Justiça. Ele tira o principal adversário de Bolsonaro do processo eleitoral e depois assume o ministério. Só isso, em qualquer lugar decente do mundo, já seria o suficiente para que a parcialidade do juiz fosse decretada”, afirmou.
O advogado criminalista José Carlos Portela Júnior, integrante do Coletivo Advogadas e Advogados pela Democracia (Caad), apontou também que o novo vínculo de Moro é um “absurdo” que chamaria a atenção das autoridades em qualquer país com uma democracia consolidada. “É um problema de ética, mas também um problema legal, de conflito de interesses. O que reforça a tese de que a Lava Jato era um processo político.”
Em entrevista ao Jornal Brasil Atual nesta segunda-feira (7), ele disse que “já passou da hora” de o STF analisar a suspeição de Moro. “É mais um fato, não bastassem os outros já reveladores. Como, por exemplo, o fato dele ter ‘se vendido’ para Bolsonaro e ter ocupado o cargo de ministro”, afirmou Portella.
“Parece piada”
Para ambos, também causa estranheza Moro trabalhar agora assessorando as empresas que ele ajudou a quebrar. “Isso é uma piada. Ele destrói as empreiteiras, condena seus principais executivos, prende por um longo tempo o proprietário da Odebrecht. E agora vai trabalhar para ajudar a refazer e a reorganizar as atividades das empreiteiras que ele quebrou”, disse Gisele.
“Na verdade, o que Moro vai fazer é dar um verniz de moralidade para as empresas”, afirmou Portella. Segundo ele, o mais preocupante são as “informações privilegiadas” que ele recebeu quando era juiz. O advogado disse, ainda, que o julgamento da sua suspeição no STF serviria de “recado” para outros juízes não seguirem a mesma trilha.