Minas Gerais

Margarida Salomão: forças progressistas têm de dialogar para salvar o Brasil

Primeira mulher eleita prefeita em Juiz de Fora, a deputada federal petista vê como crime de lesa-pátria o que atual governo está fazendo com o Brasil

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Fã de Juca Kfouri, a entrevistada Margarida Salomão encantou o entrevistador

São Paulo – Professora, linguista, escritora, Margarida Salomão tem o dom da palavra. Temperada por simpatia, bom humor e alto grau de conhecimento sobre todos os assuntos sobre os quais foi inquirida, a entrevista da prefeita eleita de Juiz de Fora a Juca Kfouri, no Entre Vistas desta quinta-feira (10), é imperdível. Para a prefeita eleita de Juiz de Fora, 2022 já começou e a formação de uma grande frente do campo democrático será fundamental para a “salvação nacional”.

Primeira mulher à frente dessa que é uma das maiores cidades de Minas Gerais, Margarida falou da dura campanha eleitoral que encarou, da força da mulher assumindo mais papéis na sociedade brasileira, da “responsabilidade esmagadora” que enfrentará nos próximos quatro anos. “Estaria me sentindo oprimida não fosse o fato de que a esperança nos dá asas e permite encarar de forma otimista para mostrar que o Estado pode ser gerido de forma eficiente, eficaz.”

A nova prefeita de Juiz de Fora esteve com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva esta semana. “Ele sempre muito otimista, me estimulou muito”, conta, lembrando um conselho dado pelo líder petista. “Quando um assessor disser para não ir em algum lugar porque o bicho está pegando, é lá que você deve ir”, relata. “Nós governantes precisamos ir onde o bicho pega, o governo municipal tem de chegar junto, ter presença”, concorda Margarida. “A solidariedade tem de ser uma característica do governo municipal.”

A deputada sabe da responsabilidade que todos os eleitos têm de “alavancar” 2022. “Não no sentido eleitoral. Mas de reconquistar a confiança pública nos meios públicos”, disse, lembrando a importância que as prefeituras do campo da esquerda, eleitas na década de 1990, tiveram para o projeto que culminou com a eleição de Lula em 2002.

Fora de Dubai

Juca contou que, em suas pesquisas para a entrevista, encontrou uma menção do adversário de Margarida na eleição municipal, Wilson Rezato (PSB). “Ele disse que tinha como modelo de cidade Dubai (cidade dos Emirados Árabes, famosa pelo luxo de suas construções)”, disse o entrevistador.

“Francamente achei essa comparação extraordinária, me ajudou muito”, ri Margarida Salomão. O candidato a prefeito dizia que o limite urbano desejável em Juiz de Fora seria como Dubai. “Só que a maioria do eleitorado vive fora de Dubai. Isso é grave porque expressa uma visão sobre sociedade e cidade que ainda bem foi derrotada nas urnas. Ou os cidadãos estariam lascados”, avalia a nova prefeita.

Em encontro com o governador Romeu Zema (Novo), com quem a deputada tem “enormes divergências políticas”, a prefeita eleita falou sobre medidas para o combate à pandemia do novo coronavírus. “Como prefeita deixo de ser portadora de um mandato proporcional (como na Câmara Federal). Detentora da responsabilidade pela cidade inteira, tenho de manter uma relação de desobstrução política com o governador para que tenhamos êxito. Por exemplo, por uma política de vacinação em massa para o estado.”

Mulheres à frente

Margarida Salomão é professora emérita da Universidade Federal de Juiz de Fora, da qual foi reitora entre 1998 e 2006. Tem doutorado e pós-doutorado pela Universidade da Califórnia, em Berkeley. Deputada federal desde 2013, foi candidata pelo PT à prefeitura em 2008, 2012 e 2016, chegando sempre ao segundo turno.

Essa longa trajetória na política deu a ela traquejo para fazer frente ao machismo que tem lugar em toda a sociedade e sobra nas campanhas políticas. “Prevalecem as formas masculinas de falar, se apresentar. A mulher fica sempre numa situação difícil. Se falamos como fomos educadas para falar, não nos ouvem. Se falamos como os homens, somos truculentas. Seremos sempre criticadas porque saímos do nosso lugar, o lugar em que a sociedade nos encarcerou. Mas saímos desse lugar e vamos descobrindo outros modos”, afirmou Margarida.

A nova prefeita acaba de anunciar seu secretariado para administrar Juiz de Fora a partir do ano que vem. “Será absolutamente paritário, não só para prestigiar mulheres, mas para mobilizar a imaginação social, para que as meninas passem a ser ver em vários papeis. É um dever nosso buscarmos mudar. Fui candidata a primeira vez em 2008. Era eu contra quatro homens. Nessa eleição que acabou levando a êxito essa minha luta, tivemos cinco mulheres candidatas e 72% dos votos válidos foram destinados a alguma candidatura de mulher. Estamos andando devagar, mas para frente.”

Desenvolvimento

Margarida Salomão falou também sobre a questão da reindustrialização. Juiz de Fora foi um grande polo industrial, lembra a deputada. Contribuía com 35% do produto industrial do estado de Minas, hoje é menos de 7,5%. Ela quer promover diálogo com todas as instituições de ensino, de pesquisa, em parceria ativa para reorientar o desenvolvimento da cidade mineira. “Hoje é um grande polo de serviços. Temos o papel de fazer a retomada do desenvolvimento, sob a perspectiva ética de proteger o trabalho, os direitos e a renda de quem trabalha para viver numa sociedade mais justa e agradável de viver nela”, destacou a petista.

Como deputada federal por dois mandatos, Margarida falou sobre a imensa tristeza e indignação diante dos processos de desmonte do Estado brasileiro, iniciado no governo de Michel Temer e agravado sob Jair Bolsonaro. “Deveriam ser processados por crime de lesa pátria”, disse. “Esses vândalos querem fazer terra arrasada. O SUS foi nosso salva-vidas. Menos trágico que nos Estados Unidos (a pandemia), porque aqui temos saúde pública”, comparou.

Salvação nacional

Com 589 mil habitantes, Juiz de Fora elegeu uma prefeita com ampla visão do seu papel. “São tantas necessidades. Cerca de 85% da população do Brasil vive nas cidades. Se resolvêssemos os problemas das cidades seria muito importante”, avalia, falando sobre a necessidade que o país tem de trabalhar pela área da educação e da comunicação. “Dos pecados que o PT cometeu, choro especialmente por não termos praticado a democratização dos meios de comunicação para que houvesse disputa das convicções. Hoje estamos tendo de inventar formas alternativas, como a TVT, que é uma grande produção social, para disputar a imaginação e o coração das pessoas.”

Adepta de uma frente ampla de esquerda para as eleições presidenciais de 2022, Margarida destaca: não é qualquer frente. “Acho que temos de trabalhar pela frente ampla, progressista, democrática, chegando até onde for possível, porque 2022 já começou. Não podemos construir uma frente progressista e colocar uma pessoa do centro que é o nome fantasia da direita. As forcas democráticas precisam dialogar pela salvação nacional.”

Assista ao Entre Vistas, com Margarida Salomão


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