Xeque-mate fluminense

Com Crivella e Witzel na berlinda, ‘nova política’ bolsonarista no Rio vive seu ocaso

Preso, prefeito deixa o comando com cidade “completamente destruída”, avalia vereador do Psol. Base do governo na Câmara também é responsável pelo “caos” da cidade, diz o parlamentar

Tomaz Silva/EBC
Tomaz Silva/EBC
Final do governo Crivella é "lamentável", nas palavras de Paulo Pinheiro (Psol-RJ). Preço da "nova política" foi um "administração desastrosa" marcada por "corrupção"

São Paulo –  Para o vereador Paulo Pinheiro (Psol-RJ), a população que votou no governador Wilson Witzel (PSC) e no prefeito Marcello Crivella (Republicanos) “chegou à conclusão que se enganou bastante” ao acreditar no discurso da “antipolítica”. Como Witzel, que foi afastado ainda em agosto por denúncias de corrupção em seu governo, Crivella foi preso nesta terça-feira (22) por uma operação conjunta da Polícia Civil com o Ministério Público do Rio de Janeiro, que o investiga por suposta participação em um esquema de propina para liberação de contratos na empresa municipal de turismo, a Riotur. 

Conhecido como “QG da propina”, o “plano criminoso”, segundo o MP-RJ, contaria com a “organização e idealização” do prefeito, que “promovia a cooperação no crime e dirigia as atividades dos demais agentes”. 

Eleitos em 2016 e 2018, Witzel e Crivella rejeitavam a política, endossaram discursos anticorrupção, e se mostravam alinhados À ascensão de Jair Bolsonaro. Crivella, que concorreu à reeleição neste ano, mas foi derrotado, contou ainda com o apoio público do presidente. Todo um grupo que, na avaliação de Pinheiro, “tem feito sempre as escolhas erradas”. Pelo Twitter, a deputada estadual Renata Souza (Psol-RJ) também destacou que a retórica da “‘nova política’ da dupla bolsonarista foi pelo ralo”. “Agora só resta aguardar as investigações da família do presidente”, escreveu. 

O preço da “antipolítica”

Com a formalização da denúncia do MP, nesta terça, Crivella deixou o cargo a nove dias do término oficial. “Um final de governo lamentável”, nas palavras do vereador, que “teve uma administração desastrosa e com a questão da corrupção”. De acordo com Pinheiro, a população paga por essa “nova política” como a cidade do país com o maior número de óbitos pela covid-19, adverte. E sem a condução das duas principais autoridades da cidade na maior crise sanitária do último século.

“Houve uma destruição dos serviços de saúde. Hoje tem uma fila de mais de 400 pessoas em UPAs (Unidades de Pronto Atendimento), esperando uma vaga em casa. Correm o risco de morrer em casa porque não conseguem uma vaga. A cidade pagando um IPTU caríssimo, sem transporte coletivo, qualquer chuva é uma enchente enorme”, descreve o vereador. 

À RBA, contudo, Pinheiro lamentou a maneira “caótica” que o bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus deixou a prefeitura. “A minha sensação não é de alegria. Gostaria muito de ver o Crivella fora do governo há muito tempo, mas queria ver pela forma democrática da Câmara Municipal tirando”, pondera. De acordo com o vereador, a base de apoio de Crivella no Legislativo municipal também tem responsabilidade pela atual situação do Rio ao mantê-lo no cargo. 

Crivella: mandato marcado por denúncias

A agência de dados independente Fiquem Sabendo, especializada na Lei de Acesso à Informação (LAI), apurou que, até outubro deste ano, pelo menos nove pedidos de impeachment por infração político-administrativa foram protocolados pela oposição na Câmara. Crivella foi acusado, por exemplo, pelo episódio marcado pelo “Fala com a Márcia”, em 2018, referente à servidora Márcia da Rosa Pereira Nunes. O prefeito indicava a funcionária a aliados que buscavam facilidades no tratamento de saúde. 

Mais recentemente, a gestão do Republicano também ficou conhecida pelo grupo “Guardiões de Crivella”. Em que servidores eram deslocados para as portas de hospitais no Rio para intimidar a imprensa e a população que denunciava a precariedade das unidades de saúde.  

Ao todo, quatros representações foram feitas em 2020, duas em 2019 e outras três em 2018, mostra a agência. Duas delas foram arquivadas sem apreciação e as outras sete foram rejeitadas em Plenário por vereadores do Republicanos, Progressistas, Solidariedade, PSC, Podemos, Pros, Patriota, PSD e PTC. 

O QG da propina

Entre elas, a que pedia a investigação do “QG da propina”, em setembro, que baseou a prisão desta terça. A operação está relacionada à colaboração premiada do doleiro Sérgio Mizrahy. Preso pela operação Câmbio, Desligo, no ano passado, o agiota delatou que o empresário Rafael Alves, amigo de Crivella, era o responsável pela cobrança de propinas na Riotur. 

Alves não tinha cargo público na empresa, mas, com aval do prefeito, segundo o MP, mantinha uma sala no órgão e teria ainda emplacado o irmão na presidência, Marcelo Alves, para viabilizar o esquema de corrupção. Marcelo presidiu a Riotur até março deste ano.

Os promotores afirmam ter analisado mais de 1.900 mensagens e encontros presenciais entre Crivella e Alves para afirmar que o prefeito tinha conhecimento das ilegalidades cometidas no município. 

Legalidade da prisão

Advogados criminalistas, no entanto, vêm contestando a legalidade da prisão. Pelo Twitter, um dos fundadores do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Augusto de Arruda Botelho, avaliou que “o despacho que decretou a prisão é a antecipação de uma condenação”. “Prende preventivamente com base em conjecturas”, contestou. 

A advogada e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Luciana Boiteux, também pondera que, apesar de Crivella ter sido um “péssimo prefeito”, “deve ser repudiada sua prisão espetáculo, sem base legal”. “Cada vez que alguém aplaude uma prisão como essa, o Judiciário punitivista , que super encarcera pretos e pobres se legitima”, escreveu em suas redes.

Organização criminosa

O MP afirma que Crivella seria o “líder da organização criminosa”, o que “lhe confere o domínio finalístico e funcional dos fatos”. Outros seis mandados de prisão foram autorizados pela desembargadora Rosa Helena Penna Macedo Guita. O Ministério Público também alega que “a organização criminosa ora desvelada contava, igualmente, com a participação de inúmeros empresários que despendiam vultosas quantias à título de propina”. Em troca, eles “recebiam tratamento preferencial ao longo de toda a gestão de Marcelo Crivella”, argumentam os promotores. 

Em março, durante uma operação da Polícia Civil na Riotur, o delegado responsável ainda flagrou uma ligação de Crivella para Rafael Alves. A desembargadora diz que o prefeito era “quase um subordinado” do empresário e menciona na decisão que Crivella e os coautores da organização criminosa estariam atuando para destruir provas do esquema, o que justificaria os pedidos de prisão.

Pelo Facebook, a vereadora Luciana Novaes (PT-RJ) lamentou o fato de “mais um gestor em nosso estado terminar envolvido em esquemas de corrupção e desvios, enquanto todo o povo carioca paga pelo mau-caratísmo e a incompetência, nesse momento tão difícil de pandemia, em que o poder público deveria ser o maior suporte e exemplo”. Até hoje, cinco ex-governadores já foram presos na história do Rio.