Pré 2002

Apelidada de ‘centrão’ e com apoio da mídia, direita se impõe no processo eleitoral

Para analista, partidos tradicionais e conservadores levaram a melhor no primeiro turno. E o extremismo representado por Bolsonaro perdeu

Reprodução/Montagem RBA
Reprodução/Montagem RBA
Sarto, Paes, Crivella, Capitão Wagner: alianças poderiam mudar o cenário no Rio e em Fortaleza, entre outras cidades?

São Paulo – Os demorados resultados do primeiro turno das eleições municipais levaram a política brasileira a uma certa “normalidade” histórica, com predomínio da direita. Aquela que tenta se mostrar moderada e se autodenomina “centrão”, lembra o analista político Marcos Verlaine, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). “Sai o extremismo, entra a direita”, diz, apontando Jair Bolsonaro como um claro perdedor do processo eleitoral.

Para ele, o avanço da direita – que a mídia tradicional também costuma chamar de centro – fez o país voltar a um cenário pré 2002. Ou seja, antes do crescimento do PT, com a força da eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “As coisas voltam para uma espécie de leito normal”, observa Verlaine, referindo-se à política “tradicional” brasileira. “É a velha direita que retorna, com um discurso de moderação, para se diferenciar de Bolsonaro”, acrescenta.

Direita e heranças partidárias

São as legendas tradicionais, como MDB, DEM, PSDB, PTB, com variações. Desde um DEM quase dizimado em outras eleições e novamente fortalecido, herdeiro do antigo PFL e da “Aliança Liberal” do final da ditadura, até um MDB que em alguma medida se tornou o novo “partido do interior”, por sua capilaridade. Uma legenda “pendular”, como nota o analista, pela sua facilidade de se aliar à esquerda e à direita.

A própria ombudsman do jornal Folha de S.Paulo, Flavia Lima, aponta a tendência da mídia de chamar de centro que na verdade é direita. Em sua coluna na edição de ontem (15), ela criticou reportagem da Folha que se referiu como “nomes de centro” ao apresentador Luciano Huck e o ex-ministro Sergio Moro. Dias depois, sem explicações, a possível união entre eles virou uma “frente de centro-direita”.

“Que uma reportagem reproduza essa ideia sem reflexão é grave. Que a cobertura , ao longo da semana, tenha alterado o enfoque de centro para centro-direita sem explicação ao leitor é incompreensível”, escreveu a ombudsman. “Aceitou-se de modo acrítico uma operação de reposicionamento de marca do ex-juiz e do apresentador global.” Ela lembrou ainda que o jornal “já negou a extrema direita a Bolsonaro”.

A esquerda e as alianças

Mas, na outra ponta, a eleição também mostra a necessidade de a esquerda fazer alianças. “Onde o PT fez aliança, conseguiu ir ao segundo turno”, afirma Verlaine. Ele destaca o caso do Rio de Janeiro, onde, segundo diz, “está explícita a contradição do campo progressista”. Para o analista, uma aliança entre PDT e PT – que saíram com candidaturas próprias – levaria ao segundo turno, “com chance de vitória sobre o (Eduardo) Paes”. Mas o ex-prefeito, do DEM, enfrentará o atual, Marcelo Crivella (Republicanos), que apesar da alta rejeição teve o voto de bolsonaristas e evangélicos.

Talvez tenha sido o único caso de relativo sucesso de nomes apoiados por Bolsonaro. A maioria perdeu ou “derreteu”, caso de Celso Russomanno em São Paulo. Mesmo em Fortaleza, o analista afirma que Capitão Wagner (Pros) foi para o segundo turno não pelo apoio do presidente, mas apesar dele. Apoiou que tentou esconder, inclusive. Verlaine acredita que Sarto Nogueira (PDT) deve vencer a disputa, possivelmente com apoio de Luizianne Lins (PT), terceira colocada. Uma aliança que, para o analista, também poderia ter ocorrido já no primeiro turno.

Questões que não podem se repetir em 2022, diz Verlaine, citando, principalmente, o PT de Lula e o PDT de Ciro Gomes, que esboçaram um diálogo nas últimas semanas. No primeiro caso, ainda que enfraquecido eleitoralmente, ele lembra que “é o maior partido do Brasil, estruturado em todos os estados, que influencia o debate político”. O PT já declarou apoio a Guilherme Boulos (Psol) em São Paulo, e o analista acredita que o PDT fará o mesmo. Do contrário, seria “uma birra sem lógica”.