"Vida dura"

Bolsonaro demonstra que está acuado e cada vez mais isolado

Presidente tem se comportado de forma que não se trata mais apenas de estratégia de marketing, mas demonstra ter consciência de que fala cada vez mais sozinho, diz cientista política

Marcos Corrêa/PR
Marcos Corrêa/PR
Depois das eleições municipais de 2020, Bolsonaro testará de fato até onde o levará o isolamento

São Paulo – São cada vez mais evidentes os sinais de que o presidente Jair Bolsonaro, se não está “surtando”, tem demonstrado preocupação crescente com o seu entorno. Sua recusa em admitir a vitória do democrata Joe Biden nos Estados Unidos e a declaração de que “quando acabar a saliva, tem que ter pólvora”, em referência direta ao novo presidente americano, assim como a grotesca comemoração da suspensão dos testes da vacina CoronaVac (já retomados), não revelam que “está louco”. Parecem demonstrar que ele já tem consciência de estar acuado no tabuleiro político.

Não só acuado, mas gradativamente isolado, consequências das situações que ele mesmo cria. Às vésperas das eleições municipais, as candidaturas que apoia, por exemplo, nas duas maiores capitais do país, São Paulo e Rio de Janeiro, estão derretendo. Segundo o Datafolha, Celso Russomanno, na capital paulista, com 49% de rejeição, está na iminência de sequer ir ao segundo turno, repetindo suas experiências de 2012 e 2016.

No Rio, de acordo com o mesmo instituto de pesquisa, o ex-prefeito Eduardo Paes (DEM) não para de ampliar sua vantagem sobre o atual prefeito Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), agora por 34% a 14%. A rejeição a Crivella, candidato do presidente, é de nada menos do que 62%.

“Momento de inflexão”

Não se trata mais apenas de estratégia de marketing, como se costuma dizer das atitudes do presidente, na opinião de Maria do Socorro Sousa Braga, cientista política da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar). “É um momento de inflexão. Ele sabe que, sem Trump, fica isolado na América Latina. No Brasil, o apoio que dá a candidatos municipais não deslancharam, pelo contrário, estão minguando. Mas ele também parece querer colocar em segundo plano as denúncias contra os filhos.”

Se Bolsonaro sabe que perdeu o “guarda-chuva” de seu patrono norte-americano, e talvez compreenda o significado para o mundo da derrota do republicano, provavelmente também já tenha se dado conta de que não é coincidência que a maneira como o derrotado Trump conduziu a pandemia é a mesma que a sua. São 5,8 milhões de casos no Brasil e 164 mil mortos até esta sexta (13), segundo lugar em número de óbitos no mundo, só atrás exatamente dos EUA (249 mil vítimas).

O fator vacina

“Uma possível queda da sua popularidade pode ter a ver com a vacina. O número de mortos é muito grande. Não é pouca coisa, e ele ainda com esse discurso de que não vai bancar a vacina, cria caso com o Butantan…  Na verdade, ele não consegue resolver as questões mais sérias que atingem a população hoje”, diz a professora da Ufscar.

No entanto, Bolsonaro recuou. “Da minha parte, havendo a vacina, comprovada pela Anvisa e pelo Ministério da Saúde, a gente vai fazer uma compra”, afirmou na quinta-feira (12). A desmoralização do governo, do Estado e das próprias Forças Armadas, ao serem associadas ao presidente, terá um fim, se não imediatamente, a partir de 2021, quando começa de fato o jogo pela sucessão – ou reeleição –, em 2022. O resultado das eleições municipais pode empurrar Bolsonaro para um isolamento interno ainda maior, dado que internacionalmente isso já está dado.

Isolamento externo, mal estar interno

Os governos ou chefes de Estado de Alemanha, Grã Bretanha, Noruega, Argentina, Chile, Itália, Espanha, Egito e até a China, entre outros, e instituições como Nações Unidas e Organização Mundial da Saúde já manifestaram o reconhecimento diplomático de Joe Biden como o 46° presidente dos EUA.

No plano interno, lembra Maria do Socorro, personalidades de “centro-direita”, como diz a mídia, já declararam reconhecer a vitória do democrata, entre eles o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e o governador de São Paulo, João Doria (PSDB).

Até mesmo o vice-presidente, Hamilton Mourão, já declarou que a eleição norte-americana está decidida. “Como indivíduo – disse –, eu reconheço, mas temos que olhar que eu não respondo pelo governo. Como indivíduo, eu julgo que a vitória do Joe Biden está cada vez mais sendo irreversível”, declarou.

Embora falando “como indivíduo”, a fala de Mourão não é isolada e expressa claramente o mal-estar dos militares com as desmoralizantes atitudes de Bolsonaro, como ao “ameaçar” Joe Biden com a “pólvora”.

O próprio comandante do Exército, general Edson Leal Pujol, foi enfático ao se posicionar, na quinta-feira (12), sobre o papel dos militares no país. “O Ministério da Defesa, as Forças Armadas, o nosso assunto é militar. As questões políticas, eventualmente o ministro (da Defesa) participa do lado político do governo, mas não nos metemos em áreas que não nos dizem respeito”, afirmou Pujol. “Não queremos fazer parte da política governamental ou política do Congresso Nacional e muito menos queremos que a política entre no nosso quartel, dentro dos nossos quartéis”, acrescentou.

“Causa óbvio mal estar nas Forças Armadas a reação do presidente, que não aceita a eleição nos Estados Unidos”, diz Maria do Socorro. “Porque deixa as Forças Armadas em uma situação ruim. Esse é outro elemento que poderia ser apontado, para se pensar em algo dessa natureza, que Bolsonaro está acuado.”

Depois das eleições municipais de 2020, já no início do ano que vem, Bolsonaro testará de fato até onde o levará o isolamento, se este persistir ou se aprofundar. A disputa pela presidência da Câmara dos Deputados vai definir seu futuro como presidente e o que esperar dos últimos dois anos de seu mandato.


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