ELEIÇÕES MUNICIPAIS

Russomanno cita ‘periferia’ uma vez em programa e não ataca desigualdade

Economista William Nozaki afirma que os projetos que desconsiderarem o problema manterão “exclusão e precarização nas regiões”

Rovena Rosa/EBC
Rovena Rosa/EBC
Candidatos Jilmar Tatto (PT) e Guilherme Boulos (Psol), são os únicos que falam sobre a periferia em todos os tópicos de seus respectivos programas

São Paulo – Na periferia paulistana estão a maior densidade populacional, o menor acesso a serviços que garantem direitos básicos e, portanto, a maior taxa de desigualdade. Diante da crise provocada pela pandemia de covid-19 e o aumento da pobreza, os candidatos à prefeitura da capital deveriam colocar como prioridade o combate à desigualdade social na cidade. É o que aponta o economista, sociólogo e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política (FESPSP), William Nozaki.

Entretanto, o líder das pesquisas eleitorais na disputa municipal, Celso Russomanno (Republicanos), cita as palavras “periferia” e “desigualdade” apenas uma vez cada, em contextos diferentes, nas 45 páginas de seu plano de governo entregue ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Sua única menção à região periférica no projeto diz respeito “construir uma parceria com a Federação Paulista de Futebol para localizar e acolher jovens talentos nas periferias”. Sobre o desequilíbrio, Russomanno apenas propõe “reduzir a desigualdade educacional, levando ensino de qualidade a todos os estudantes”.

O economista William Nozaki afirma que os projetos que desconsideram a desigualdade social são uma espécie de manutenção da exclusão e precarização nas regiões periféricas. “É preciso encarar a periferia como um espaço que necessita de uma atenção especial, com recursos prioritários e políticas públicas que possam diminuir esse déficit histórico de direitos. Independentemente do partido, o próximo prefeito precisa tratar o problema da desigualdade, senão vai negar os desafios impostos para os novos tempos”, disse à RBA.

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Como a desigualdade na periferia é citada?

Outro candidato que também não cita os termos “periferia” e a “desigualdade” é Antonio Carlos (PCO). Entretanto, ele critica os problemas da cidade decorrentes da estrutura social e racial. “Na campanha e fora dela, é preciso impulsionar a luta em contra a fome e a miséria que os golpistas buscam impor à maioria negra da população”, defende.

A pandemia evidenciou as desigualdades entre classes em São Paulo. Trabalhadores que não puderam parar, desempregados, negros e pardos foram a maioria dos infectados pela covid-19 na capital paulista. Uma pesquisa publicada em setembro pela Rede Nossa SP também aponta que 59% dos entrevistados tiveram alguma diminuição na renda, seja total ou parcial. Entre os jovens de 16 a 24 anos, este percentual chega a 72% e na região norte da cidade, a 65%.

Os candidatos Jilmar Tatto (PT) e Guilherme Boulos (Psol) são os únicos que falam sobre a periferia em todos os tópicos de seus respectivos programas. Em 152 páginas, o petista menciona 37 vezes o termo “periferia”, enquanto trata da “desigualdade” em outras 31 oportunidades.

“A juventude trabalhadora e periférica é uma das mais afetadas no que diz respeito à falta de oportunidades de trabalho, educação, esporte, cultura e lazer. Os mecanismos de exclusão e precarização da vida operam principalmente nas periferias e áreas de maior risco social, afetando diretamente as vivências juvenis”, defende Jilmar Tatto.

Retrato do abandono

Já Boulos se refere à periferia 41 vezes nas 62 páginas de propostas. A desigualdade é abordada em 42 circunstâncias. Segundo ele, São Paulo é, atualmente, um “retrato do abandono e de profundas desigualdades”.

“Depois de 30 anos, a periferia voltará ao centro das atenções, com políticas públicas que priorizam a vida das pessoas e a participação popular, dando um basta aos grandes esquemas de sempre. Depois de três décadas, é a vez do povo voltar ao comando da cidade mais rica da América Latina”, propõe o candidato do Psol.

A candidata Marina Helou (Rede) também é uma das concorrente à prefeitura que mais aborda os dois tópicos. Em 89 páginas, Marina cita o termo periferia em 12 oportunidades e desigualdade em 34. As principais menções são feitas nos temas de combate ao racismo, mobilidade, equidade de gênero e descentralização da economia.

“Descentralização, participação, transparência e eficiência, com prioridade nos projetos e ações voltados às áreas mais precárias e às populações mais vulneráveis, como única forma de atuação possível para responder ao compromisso ético de reduzir as desigualdades e caminhar para um mundo mais sustentável. Vamos levar a cidade para todas as pessoas. Trazer a periferia para o centro do nosso programa”, propõe a candidata.

O candidato do PCdoB, Orlando Silva, fala sobre a periferia em sete oportunidades no seu programa de governo. Ele também trata da desigualdade em outras 10 citações. Orlando acredita que as periferias “são lugares de potência, não apenas de carência”. Ele defende “uma cidade voltada para a garantia dos direitos de cidadania de todos, na qual nenhum cidadão é submetido a situações degradantes ou desumanas. Uma gestão voltada ao combate às desigualdades, ao enfrentamento da pobreza e à construção de um desenvolvimento que permita o acesso de todos aos direitos sociais”.

Pouca abordagem

Os demais candidatos abordam pouco a questão. Felipe Sabará (Novo) e Vera Lucia (PSTU) só citam três vezes a periferia em seus projetos. Andrea Matarazzo (PSD) aborda em seis oportunidades. Marcio França (PSB) e o atual prefeito e também candidato Bruno Covas (PSBD) mencionam apenas duas vezes a palavra “periferia”.

Entre os candidatos do campo conservador, Joice Hasselmann (PSL) é a que mais cita os termos. Durante as 84 páginas, ela usa o termo “periferia” 11 vezes, além de questionar a desigualdade em outras nove oportunidades. “A São Paulo que queremos é justamente aquela onde estas desigualdades históricas sejam enfrentadas de maneira inteligente, com planejamento e bons projetos”, escreveu na proposta.

William Nozaki afirma que “não é possível” fazer campanha em São Paulo sem considerar a periferia. Ele explica que, além do déficit histórico de direitos básicos, a pandemia de covid-19 e o desmonte de políticas públicas agravarão ainda mais a desigualdade.

“Qualquer projeto municipal, diante dessa conjuntura, sem dar a devida atenção à periferia, não será capaz de enfrentar o maior problema que São Paulo experimentará, nos próximos anos: a aceleração da desigualdade. Com a pandemia, houve a piora das condições de trabalho, desemprego e avanço da pobreza“, acrescentou o economista.

Descentralização

A descentralização de recursos é uma das principais medidas defendidas por Nozaki. Para ele, o modelo que busca concentrar as pessoas no centro já se mostrou problemático em São Paulo. “Na prática, essa medida denuncia a inexistência de uma visão sistêmica sobre um conjunto das grandes cidades. Há a distância entre a moradia e emprego, o que cria gargalos nos sistemas de transporte, de saúde e educação. Portanto, o caminho mais adequado é a descentralização dos recursos e dos projetos”, explica.

Quem defende a ideia de centralização dos recursos é o candidato Arthur “Mamãe Falei” do Val (Patriotas). Ao citar a periferia apenas duas vezes em suas 38 páginas, ele propõe que “tirar pessoas das regiões periféricas de São Paulo e trazê-las para o centro é a melhor forma não só de revitalizar o centro, mas de desenvolver socialmente pessoas que estão absolutamente isoladas de qualquer opção cultural e de lazer da cidade”.

O professor da FESPSP cita algumas ações que, acredita, podem frear a desigualdade. Uma delas é implantar um sistema de trabalho e renda que passe pela organização de frentes de trabalho a partir da recomposição de equipamentos e serviços públicos. Ele também defende a proposta de um programa de transferência de renda e uma legislação municipal que assegure direitos também para trabalhadores de aplicativo.

Nozaki lembra que a cidade São Paulo já experimentou momentos em que a política de trabalho no município foi mais ativa, como na gestão de Marta Suplicy (PT), com o economista Marcio Pochmann como secretário de Trabalho. “Havia um conjunto de programas de atendimento aos jovens e adultos com iniciativas de economia solidária. Há experiências exitosas que podem ser revisitadas”, finalizou.