Instabilidade

Caso André do Rap reanima ameaças do lavajatismo às garantias fundamentais

Além de flexibilizar dispositivo que prevê a necessidade de rever as prisões preventivas a cada 90 dias, caso também tem servido para ressuscitar discussão sobre a prisão em segunda instância

Rosinei Coutinho/STF
Rosinei Coutinho/STF
Fux é um dos ministro mais identificados com a Lava Jato

São Paulo – O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria de 6 a 0, nesta quarta-feira (14), a favor da manutenção da prisão do traficante André do Rap. O julgamento deve ser retomado nesta quinta-feira (15). Mas a cobertura desproporcional sobre o caso revela tentativa de reanimar o espírito da Lava Jato, que menospreza as garantias constitucionais.

“Estão tentando, em cima deste caso, reanimar o lavajatismo, trazendo a pretensão de debater novamente a prisão em segunda instância”, destacou o advogado criminalista José Carlos Portella Junior, do Coletivo Advogadas e Advogados pela Democracia (Caad).

Anteriormente, em novembro de 2019, o STF decidiu que o cumprimento da pena de prisão só pode ocorrer após o julgamento do processo em última instância.

Segundo o advogado, é mais uma tentativa de “destruir” a garantia da presunção da inocência. “O aparato midiático é utilizado para convencer setores da opinião pública de que o ideal é esvaziar garantias constitucionais, que são a base de qualquer democracia consolidada”, disse ele, em entrevista a Glauco Faria no Jornal Brasil Atual.

O caso

André do Rap foi solto no último sábado (10) por determinação do ministro Marco Aurélio Mello. Ele baseou sua decisão no artigo 316 do Código de Processo Penal (CPP). O dispositivo, aprovado no pacote anticrime, que começou a valer neste ano, prevê que as prisões preventivas devem ser revistas a cada 90 dias, sob pena de serem consideradas ilegais. No mesmo dia, Fux cassou a decisão. Mas o traficante já estava foragido, após ter sido libertado.

Apesar do que diz a legislação, a maioria dos ministros entendeu que a soltura do preso não é automática. Neste caso específico, André do Rap estava preso preventivamente, enquanto aguardava recurso após ter sido condenado em segunda instância por tráfico internacional de drogas.

Contudo, Portella lembra que a prisão preventiva é uma medida processual, e não pode ser utilizada para antecipar o cumprimento da pena. O expediente foi utilizado, em larga medida, pela Lava Jato, para manter a prisão de acusados, antes de qualquer julgamento.

Livre interpretação

Além disso, Portella afirma que a decisão do ministro Luiz Fux, presidente da Corte, que cassou liminar concedida por outro ministro, causa ainda mais insegurança jurídica. Trata-se de uma tentativa de Fux demonstrar ao presidente Jair Bolsonaro “o poder da sua caneta”. O que serviria para derrubar eventuais decisões incomodas proferidas por outros ministros. “Fux quis mostrar que ele manda”, frisou.

Mas, se as decisões dos ministros podem ser cassadas pelo presidente da Corte, de acordo com as conveniências do momento, não há mais garantias contra abusos cometidos nas instâncias inferiores, destacou o advogado.

“Vivemos um período bastante conturbado. Como professor de direito, sempre digo que está cada vez mais difícil dar aulas de processo penal ou direito constitucional. Nada é seguro. Nada é aquilo que os doutrinadores e estudiosos do direito nos ensinam a partir da Constituição”, comentou.

Assista à entrevista:

Redação: Tiago Pereira – Edição: Helder Lima


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