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Programas de candidatos no Rio de Janeiro para a saúde são superficiais

Tema do financiamento à saúde pública só aparece nos programas de Benedita da Silva (PT) e Martha Rocha (PDT), que defendem derrubada da emenda do teto de gastos

Divulgação/Prefeitura do Rio
Divulgação/Prefeitura do Rio
Centro de Saúde Maestro Celestino, mantido com recursos do SUS. Sistema Único de Saúde não é mencionado pela maioria dos candidatos

São Paulo – Os candidatos a prefeito do Rio de Janeiro prometem acabar com as persistentes filas da saúde. E também construir hospitais e reformar aqueles que ainda nem ficaram prontos. Falam ainda em contratar mais médicos, ampliar as equipes de saúde da família e implementar a telemedicina e tecnologias digitais na rede municipal. No entanto, são vagos quanto às estratégias e ações e grande parte deles é omissa em relação às principais demandas de saúde no município.

Esse é o retrato das propostas feito pelos professores e pesquisadores Ligia Bahia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Mário Scheffer, da Universidade de São Paulo (USP), que analisaram os programas apresentados pelos candidatos a prefeito do Rio de Janeiro e de São Paulo ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

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E o SUS?

Candidato à reeleição, Marcelo Crivella (Republicanos) promete promover a “correta execução da despesa pública, oferecendo o melhor serviço público de saúde”. No entanto, o SUS aparece apenas na perspectiva do prontuário eletrônico e da tabela de remuneração.

Sem mencionar o sistema, Eduardo Paes (DEM) fala em “recuperar a qualidade dos serviços públicos na saúde, repor a infraestrutura e os equipamentos anteriormente existentes”.

Do mesmo modo, Martha Rocha (PDT) pretende “aumentar a capacidade de atendimento a populações vulneráveis, reforçar as estratégias de saúde coletiva, ampliar a cobertura da atenção primária”. Como se tudo isso não dependesse do SUS.

Benedita da Silva (PT), segundo a qual a “saúde será estruturante para o projeto de desenvolvimento do Rio de Janeiro”, é a única que faz menção ao sistema público: “Aprimorar a atuação do município como gestor do SUS”.

“A prefeitura é apresentada pelos candidatos apenas como uma mera prestadora de serviços e não como a autoridade sanitária do sistema de saúde, conforme previsto pela legislação”, analisam os autores.

Médicos e medicamentos

A constatação é de que as desigualdades internas no município, quando muito, são tratadas de maneira incompleta pelos programas dos candidatos no Rio de janeiro. E de modo pontual, em meio a promessas de ações vagas de promoção da saúde. É o caso da constante falta de médicos nos postos de saúde, nos serviços ambulatoriais especializados e na rede de urgência e emergência. E também de medicamentos nas farmácias das unidades – um problema antigo que leva a reclamações e ações judiciais.

Assunto dos mais reclamados, exposto com frequência nos meios de comunicação, a fila para consultas, exames e internações é tratada de maneira genérica, como “reduzir o tempo de espera por atendimento”, “aprimorar o sistema de agendamentos” ou fazer a “gestão de filas”.

Negacionismo

O negacionismo da gravidade da pandemia de covid-19 pelo presidente Jair Bolsonaro é compartilhada pelo candidato Marcelo Crivella, que considera satisfatórias as respostas dadas por sua gestão durante a pandemia. Todos os demais candidatos, em graus variados de detalhamento, assumem diagnósticos ou compromissos ligados a desdobramentos da pandemia no sistema de saúde local. Mas não falam em estruturação da rede para o enfrentamento de uma pandemia sem data para acabar.

Propostas para a saúde mental, com variações em relação à atenção psicossocial são humanização, redução de danos, prevenção de transtornos mentais e programas de acolhimento e inclusão, aparecem apenas nos programas de Benedita da Silva e Eduardo Paes.

A saúde da população negra e LGBTI aparece nas propostas da petista e de Martha Rocha (PDT). Já saúde da mulher e de gestantes está em uma pequena parte dos programas, sendo que alguns propõem a humanização do parto e a redução das altas taxas de partos cesáreos. No entanto, mesmo com duas candidatas mulheres, com plataformas ditas progressistas, o tema do aborto e do direito à decisão das mulheres está excluído.

Organizações sociais

Hegemônicas na administração de serviços de saúde das duas maiores capitais do país há duas décadas, as chamadas organizações sociais (OSS) quase não aparecem nos programas eleitorais do Rio de Janeiro, apesar do recente protagonismo da cidade em escândalos de corrupção. Apenas Benedita da Silva fala em extinguir gradativamente os contratos com essas organizações. Crivella menciona convênios com consultórios privados, pagos conforme tabela SUS.

“Eduardo Paes e Martha Rocha, no Rio, se omitem totalmente quanto ao papel das OSS na saúde municipal. É plausível supor que omissões sejam declarações favoráveis implícitas e que o posicionamento de Crivella contrário às OSS seja movido apenas por injunções passageiras. As OSS parecem contar com apoio político sólido de partidos de direita e de centro, em ambos os municípios”, pontuam os autores.

O financiamento à saúde é tema exclusivo dos partidos de esquerda entre as candidaturas favoritas no Rio. Esses candidatos defendem a ampliação de gastos mediante aumento dos repasses federais, a partir da derrubada da emenda constitucional que congela os gastos sociais por 20 anos, EC 95. Mas não estabelecem uma clara relação entre o conjunto das receitas e as despesas municipais.

Dinheiro público para plano privado

Os pesquisadores destacam ainda não haver programas que defendam a extinção dos gastos públicos com o pagamento de planos privados para servidores públicos, inclusive para profissionais de saúde. Assim prevalece a concepção de um SUS possível, devagar e sempre, um pouquinho melhor, que convive amigavelmente com a intensificação da privatização da saúde. “Um padrão de relação entre público e privado que, em termos racionais, afasta o país da rota dos sistemas universais. Mas que faz sentido para a preservação de alianças políticas que se estendem desde os partidos de direita e suas bases empresariais, até os partidos de esquerda que apoiam ativamente a vinculação de trabalhadores, inclusive servidores públicos, a planos privados de saúde”, assinalam.

Por fim, os programas dos candidatos à prefeitura do Rio de Janeiro repetem o que já foi dito e prometido em eleições anteriores. Chegam a reproduzir parte de programas já submetidos ao TSE, quando o mesmo partido ou candidato concorreu à presidência da República ou ao governo estadual. “Os programas de saúde, com as mesmas preocupações e repertórios de intenções de antes, se convertem em listas de dívidas nunca quitadas com a população, quando deveriam ser o plano de ação de quem pretende liderar o SUS municipal.”