Contra o obscurantismo

Batalha pela vacina contra a covid-19 envolve os três poderes da República

“Nós não podemos voltar à idade das trevas. A vacina tem que estar, tanto quanto possível, acessível a todos”, diz o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay

Governo de SP/Fotos Públicas
Governo de SP/Fotos Públicas
Instituto Butantan desenvolve a vacina da fabricante chinesa SinoVac, atacada por Bolsonaro, com transferência de tecnologia

São Paulo – Partidos e parlamentares, da oposição à direita no Congresso Nacional, o próprio presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, se pronunciaram. Ou adotaram medidas judiciais, nesta sexta-feira (23), a respeito da batalha formada em torno da vacina contra a covid-19. PT, PCdoB, Psol, PSB e Cidadania entraram com ação no STF, com pedido para que o governo de Jair Bolsonaro apresente, em até 30 dias, um planejamento. Não apenas sobre a vacina, mas a respeito de outras iniciativas relativas a medicamentos e combate à pandemia.

“Esta ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) busca evitar danos irreparáveis para a população como um todo”, dizem os partidos na ação. Segundo eles, há risco real de que as “gravíssimas” falhas do governo federal no enfrentamento à pandemia causem um elevado número de mortes e doentes (leia a íntegra da ação aqui).

O advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, afirmou à RBA acreditar que a batalha será vencida por uma visão científica. “Não podemos voltar à idade das trevas. A vacina tem que estar, tanto quanto possível, acessível a todos. É caminho sem volta”, opina. “Por mais que esse governo não apoie a ciência, não se vai deixar passar a hipótese de termos uma vacina por causa de um fanatismo do governo”, acrescenta o criminalista.

Os partidos de oposição argumentam que os equívocos do Planalto podem causar até mesmo “o extermínio de determinadas etnias e de grandes contingentes da população mais idosa e de pessoas portadoras de comorbidades”. A ADPF pede também que o Supremo determine ao governo e a Bolsonaro que sejam obrigados a adotar procedimentos administrativos para a obtenção da vacina, “com a segurança científica, técnica e administrativa necessárias”.

Disputa política

Rodrigo Maia defendeu nesta sexta-feira (23), em entrevista coletiva ao lado do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), a distribuição da CoronaVac, vacina contra o novo coronavírus da fabricante chinesa SinoVac, desenvolvida no Brasil pelo Instituto Butantan com transferência de tecnologia. “Quando ela estiver aprovada e autorizada pela Anvisa, que a gente consiga com diálogo com o presidente, com o Ministério da Saúde”, disse.

Maia acrescentou que “a China é um parceiro fundamental do nosso país”, em recado claro ao presidente da República, que costuma atacar o país do Oriente. Ele ainda se referiu a Doria como “aliado e amigo”. A fala tem um caráter político significativo, já que Doria e Bolsonaro travam uma disputa intensa em torno do imunizante.

Na terça (20), o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello anunciou acordo com o estado de São Paulo para a compra de 46 milhões de doses da CoronaVac. No dia seguinte, Bolsonaro veio a público para desautorizar a negociação. “Não será comprada”, disse. “O presidente sou eu, não abro mão da minha autoridade.”

Lewandowski dá cinco dias a Bolsonaro

Em resposta a ações ajuizadas pelos partidos políticos, o ministro Ricardo Lewandowski, do STF, deu prazo de cinco dias para que Bolsonaro se manifeste sobre a questão. A Rede entrou com ação para obrigar o governo a comprar e distribuir vacinas aprovadas pela Anvisa (leia aqui). O PDT também protocolou pedido no Supremo para garantir a competência de estados e municípios para impor medidas como vacinação obrigatória. Já o PTB pede que a vacina não seja obrigatória. Lewandowski é relator das ações.

Antes do despacho do ministro, nesta sexta, o presidente do STF, Luiz Fux, afirmou que a discussão judicial do tema é importante. “Podem escrever, haverá uma judicialização, que eu acho que é necessária, que é essa questão da vacinação. Não só a liberdade individual, como também os pré-requisitos para se adotar uma vacina”, afirmou, em uma videoconferência promovida por uma associação de advogados.

A “guerra” em torno da vacina chinesa envolve também a Anvisa e o Instituto Butantan. Nesta sexta, foi divulgado que a agência autorizou a importação de 6 milhões de doses da Coronavac.

A autorização, entretanto, não significa que a vacina possa ser aplicada. A Anvisa esclarece que “a utilização do produto ficará condicionada à obtenção de seu registro sanitário”.

Nesta quinta (22), Dimas Covas, diretor-geral do Butantan, havia afirmado que a Anvisa estaria atrasando a autorização para a importação de matéria-prima da SinoVac para a produção da vacina pelo instituto.

Projetos na Câmara

Vários projetos de lei foram apresentados à Câmara sobre a questão. Segundo a Agência Câmara, o PL 4992/20, dos deputados federais Gleisi Hoffmann (PT-PR) e Enio Verri (PT-PR), prevê a obrigatoriedade da vacina contra a covid-19. O texto também inclui a vacina no Programa Nacional de Imunizações, desde que aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

“É dever das autoridades públicas, assim como dos profissionais de saúde, conscientizar a população sobre a importância da vacinação”, argumentam os parlamentares na justificativa ao projeto.

Já em sentido oposto, os deputados bolsonaristas Carla Zambelli (PSL-SP) e Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP) são autores do PL 4966/20. O projeto defende “a livre escolha do cidadão em se submeter ou não a vacinas experimentais ou sem comprovação cabal de eficácia”.

“A comprovação científica da vacina contra a Covid-19 somente se dará em aproximadamente 10 anos. Por esse motivo a compulsoriedade da vacinação precisa ser extirpada da Lei 13.979/20”, dizem os parlamentares, em referência à legislação que dispõe sobre ações de à pandemia.


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