Ilicitudes em família?

Dinheiro vivo em campanhas pode ser ‘conexão’ do clã Bolsonaro com rachadinha

Pagamento em espécie é usado pela família também para a compra de imóveis, o que chama atenção do advogado Marcelo Uchôa. ‘Tudo indica que não é só lavagem de dinheiro’

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Bolsonaro e seus filhos Carlos, Flávio e Eduardo. Mistérios familiares guardados a sete chaves

São Paulo – O presidente Jair Bolsonaro e seus filhos fizeram doações em dinheiro vivo para as suas próprias campanhas entre 2008 e 2014. É que revela reportagem do jornal Folha de S. Paulo, publicada na terça-feira (22), mostrando que as doações chegaram a R$ 100 mil. Com a correção da inflação no período, o montante corresponderia hoje a um valor de R$ 163 mil. O caso levanta suspeita de conexão do clã Bolsonaro com a rachadinha.

O caso corrobora que a prática de pagamento em espécie, embora não seja usual no país, “é uma tônica cotidiana da família Bolsonaro”, como observa o advogado e professor de Direito da Universidade de Fortaleza (Unifor), integrante da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) – Núcleo Ceará, Marcelo Uchôa. Em entrevista a Glauco Faria, do Jornal Brasil Atual, Uchôa explica que não é necessariamente um crime usar dinheiro vivo, mas o caso não deixa de levantar suspeitas, considerando também a soma dos valores. 

“Tudo indica que não é só lavagem de dinheiro, mas uma lavagem de dinheiro obtida da pior maneira possível”, avalia o advogado e professor. 

Já nesta quarta-feira (23), reportagem do jornal O Estado de S. Paulo mostrou que o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), quando tinha 20 anos, em 2003, pagou R$ 150 mil também em espécie por imóvel. Esse dinheiro hoje seria de R$ 366 mil, de acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Matéria do O Globo, também divulgada ontem, aponta que o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) pagou pela aquisição de dois apartamentos na zona sul do Rio de Janeiro, entre 2011 e 2016, R$ 150 mil em espécie. Corrigido pela inflação, o valor da compra corresponde a R$ 195,5 mil hoje. 

Dinheiro vivo

A mãe de Eduardo, pré-candidata a vereadora, Rogéria Bolsonaro, também foi descoberta com a prática em dinheiro vivo semelhante. Em 1995, enquanto era casada com Jair Bolsonaro, Rogéria comprou um apartamento com R$ 95 mil em espécie. Antes disso, reportagem da revista Época também havia identificado que Ana Cristina Valle, segunda esposa do presidente, adquiriu, durante o período em que foi casada com ele, um total de 14 imóveis. Cinco deles também adquiridos com dinheiro vivo. 

“A discussão é a forma de pagamento. Como é que pode comprar um imóvel com dinheiro vivo?”, questiona Uchôa. “Tudo bem se fosse um, mas não é só um. A mesma família já fez isso outras vezes. São muitos depósitos em dinheiro vivo, compra de imóveis em dinheiro vivo. Isso envolve também a loja de chocolate, uma série de pagamentos nas contas pessoais. É lógico que parece muito plausível acreditar que existe aí uma conexão da rachadinha com isso”, acrescenta. 

Atualmente, Carlos Bolsonaro é investigado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) pelo esquema chamado de “rachadinha” em seu gabinete na Câmara Municipal do Rio de Janeiro. A prática criminosa ocorre quando funcionários sã coagidos a devolver parte de seus salários para o parlamentar que os emprega. Segundo as investigações, Fabrício Queiroz, ex-assessor do filho do presidente, era quem comandava o esquema. 

“É preciso aprofundar a investigação. Esse é um labirinto inusual, porque a porta está escancarada. É a confusão que se faz no meio de campo que impede que a investigação aprofunde. Quanto mais tempo, vamos descobrir mais coisa, mas em compensação esses ilícitos vão prescrevendo, a população vai naturalizando isso como uma coisa normal e vai virando pizza, esse é o problema”, contesta o integrante da ABJD. 

Ministro do STF e a cerveja

Uchôa também adverte que a naturalização das denúncias seja também acompanhada por “aparelhamento da Justiça”. Nesta semana, Bolsonaro declarou, ao descrever o perfil do novo candidato a vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), que indicará alguém que “toma cerveja”com ele no final de semana. Em novembro, o ministro Celso de Mello se aposentará, e a indicação estará a cargo do presidente. 

A fala, no entanto, deixa claro que, para Bolsonaro, “pouco importa se  o ministro do STF vai velar pela Constituição. Ou se ele vai realizar a Justiça, compreender o direito”, resume o advogado e professor. “Veja a que ponto nós chegamos. O ministro do STF vai tomar cerveja com o presidente da República. Era a mesma lógica do embaixador nos Estados Unidos. É o ‘meu filho sabe falar inglês e fritar hambúrguer, vai ser embaixador dos Estados Unidos’. É a lógica de quem não tem compromisso com o país”, ressalta o advogado. 

Confira a entrevista

Redação: Clara Assunção – Edição: Helder Lima