Memória

Panair não voa mais, mas retorna para contar outra história de perseguição na ditadura

Herdeiro da empresa cassada pelo regime autoritário lança site e produtos: insegurança jurídica que caracteriza governos autoritários pode atingir a todos

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Maior companhia do hemisfério, Panair foi proibida de voar em 1965

São Paulo – Com as asas cortadas pela ditadura, a Panair do Brasil está voltando, em forma de site, criação de produtos licenciados e projetos de parcerias com entidades ligadas a direitos humanos. Depois de ser fechada em 1965, a companhia aérea levou 30 anos para reabilitar-se como pessoa jurídica e readquirir o CNPJ. Agora, administra a marca Panair e acompanha processos abertos contra a União.

Do céu de brigadeiro para a sucata dos generais

“Vivemos um período crucial da história da nossa jovem democracia”, diz o presidente da empresa, Rodolfo da Rocha Miranda. “Queremos contribuir com os debates. Seja no âmbito acadêmico, como já temos feito, por meio da participação em congressos e outros eventos. Ou de mão dadas com a sociedade civil e organizações nacionais e internacionais que atuem nesses campos.” A empresa lembra que, em 2019, patrocinou exposição no Museu Histórico Nacional.

Perseguição

Rodolfo Miranda é filho de Celso da Rocha Miranda, um dos sócios da Panair à época. Era dono da corretora Ajax, a maior do continente, e da Companhia Internacional de Seguros. O outro sócio era o empresário Mario Wallace Simonsen, exportador de café e proprietário da TV Excelsior. Simonsen morreu no próprio ano de 1965 e Miranda, em 1986.

Informe da Panair faz referência ao relatório final da Comissão Nacional da Verdade, de 2014, que aponta “estrangulamento econômico” da companhia pelo Estado. “De fato, a empresa atestou no Judiciário que dispunha de todas as condições técnicas, jurídicas e financeiras para operar, quando teve suas concessões de voo suspensas, sem aviso prévio ou oportunidade de defesa”, afirma a Panair.

Cinco mil desempregados

“A falência, decretada em tempo recorde e sem que houvesse qualquer título em protesto, causou o desemprego de cinco mil pessoas”, acrescenta a companhia. “Na época, a Panair era a maior aérea em todo o Hemisfério Sul, dona de boa parte da infraestrutura de telecomunicações aeronáuticas do continente sul-americano, de terrenos de aeroportos brasileiros e também da Celma, a mais importante oficina de revisão de motores de avião fora dos Estados Unidos e da Europa (desapropriada e estatizada por decreto em 1966, foi reprivatizada em 1991 e hoje pertence a um grupo estrangeiro)”.

O caso Panair rendeu o livro Pouso Forçado (Record), do jornalista Daniel Leb Sasaki, com segunda edição publicada em 2015. Há também um documentário, Panair do Brasil, lançado em 2007, com direção de Marco Altberg. E a sempre lembrada canção Conversando no Bar (Saudade dos Aviões da Panair), de Milton Nascimento e Fernando Brant, em mais uma interpretação marcante de Elis Regina.

“Foram atos de perseguição continuados, com o objetivo de destruir o poder econômico daqueles empresários, que não estavam alinhados aos valores da ordem política que se instalou”, afirma Miranda. “Mantemos nossa causa até hoje, pois ainda não recebemos uma reparação moral, mesmo tendo os crimes perpetrados pelo Estado sido reconhecidos em documentos, por representantes da União, antes e depois da redemocratização. Também contamos e recontamos a história porque não queremos que algo como aquilo aconteça novamente, com ninguém. A insegurança jurídica que caracteriza governos que flertam com o autoritarismo pode atingir a todos, provocando danos humanos e materiais incalculáveis.”

Site e parceria com a ONU

A companhia acaba de lançar seu primeiro site oficial, www.panair.com.br., além de perfis em redes sociais. “Os canais serão alimentados com conteúdos ligados não apenas à trajetória na aviação e no Judiciário, mas também às novas parcerias.”

Um exemplo citado é o da parceria com a Organização das Nações Unidas. A Panair tornou-se integrante do Pacto Global da ONU, “a maior iniciativa de sustentabilidade corporativa do mundo, formada por empresas e organizações sem fins lucrativos que discutem boas práticas e desenvolvem projetos alinhados aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS)”.

A marca será relançada por meio de produtos licenciados, para ajudar a contar a história da empresa. ““Estamos conversando com parceiros potenciais, dentro de critérios bem definidos. Queremos trabalhá-la em projetos alinhados às causas que abraçamos, ligadas a valores éticos universais”, diz Miranda. O livro de Daniel Sasaki, por exemplo, deverá tornar-se série de TV.


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