Representatividade

Mulheres negras na política: ‘Mais que discursos antirracistas, é preciso a prática’

Pouco mais da metade das candidaturas ao Executivo municipal em 2020 são de homens brancos (55%). Ao todo, mulheres representam apenas 13,05% do total, e negras, 4,5%. Ingrid Farias aponta série de desafios na luta por maior equidade

TOMAZ SILVA/EBC
TOMAZ SILVA/EBC
No geral, mulheres somam 13,05% das candidaturas. "O desafio ainda é muito longo para garantir uma representatividade real no poder", destaca ativista

São Paulo – O aumento da participação de candidaturas negras no processo eleitoral está “diretamente relacionado” ao levante e à mobilização de movimentos, e é reflexo, também, do protagonismo da figura da vereadora Marielle Franco (Psol-RJ) e de “tudo que se desencadeia após sua trágica perda”, em 14 de março de 2018. É o que destaca a ativista de direitos humanos e integrante da equipe do projeto Usina de Valores do Instituto Vladimir Herzog, Ingrid Farias, em entrevista a Glauco Faria, do Jornal Brasil Atual

Até esta segunda-feira (28), dados preliminares do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), indicavam que os quase 546 mil pedidos de registros de candidaturas computados para as eleições municipais representavam um recorde no número total de candidatos postulantes do sexo feminino. Assim como, pela primeira vez na história, há uma maioria declarada negra em relação aos que se identificaram como brancos. Aumento que, como observa Ingrid, está associado “à trajetória de organização política da comunidade negra desde os anos 70 e 80”. 

O crescimento de mulheres e negros na disputa pelas prefeituras e câmaras municipais tem como pano de fundo as recentes cotas de distribuição da verba de campanha e de propaganda eleitoral, adotadas em 2018 para as mulheres. E as mais recentes regras de distribuição igualitária de recursos às candidaturas negras , aprovada pelos tribunais superiores neste ano. Todo esse avanço, contudo, está longe de significar o fim das contradições relacionadas ao racismo estrutural brasileiro, como também pondera a ativista. 

Minoria na disputa pelas prefeituras

“Não adianta só fortalecer um discurso antirracista, é necessário que a gente divida o fundo eleitoral, que tenha tempo igual na TV”, adverte Ingrid. “Ainda há um caminho grande a percorrer no sentido de os partidos reconhecerem a necessidade da presença e da participação das pessoas negras, em especial dos movimentos sociais, dentro das construções de uma ação estratégica das eleições.” 

A prova de que os desafios ainda são inúmeros se dá a partir do recorte de candidaturas femininas às prefeituras. As mulheres ainda representam uma parcela muito pequena, são cerca de 13,05%, aponta levantamento do jornal O Estado de S. Paulo. O índice fica ainda mais baixo quando observado que as mulheres negras somam 4,5% das candidaturas ao Executivo municipal até o momento. O recorte de raça e gênero, de acordo com Ingrid, indica uma lógica em que todas as mulheres “precisam passar por um crivo político mais longo em sua trajetória”.

“Elas precisam primeiro ser vereadoras, para depois serem deputadas, depois candidatas a prefeitas e a governadoras. Essa é uma trajetória que a gente sabe que não acontece com a maior parte dos homens brancos que são de classe média alta no país. Boa parte chega diretamente aos cargos políticos mais altos. É importante a gente ver que cresce (a participação), mas sabemos que o desafio ainda é muito longo para garantir uma representatividade real das mulheres e das mulheres negras no poder”, ressalta.

Desigualdades

Foi este o caso do atual governador de São Paulo, João Doria (PSDB). Em 2016, Doria concorreu pela primeira vez a um cargo público, sem passagem pelo Legislativo, diretamente à prefeitura, e ganhou as eleições ainda no primeiro turno. Um exemplo que seria muito mais difícil de ocorrer se no lugar dele fosse uma mulher negra. Ingrid lembra que mesmo as agremiações da esquerda também reproduzem a lógica de subfinanciamento destas candidaturas.

“Quando vamos para a disputa, o que percebemos é que a estrutura, as possiblidades, e inclusive o apoio de muita gente que se diz antirracista o ano inteiro, na hora de colocar tempo e dinheiro, coloca numa candidatura branca, porque acha que essa candidatura branca é mais bem preparada”, observa a integrante do IVH na Rádio Brasil Atual

Saída pela coletividade

Para contornar todo esse processo de exclusão, além da luta política por condições mais igualitárias para as eleições, uma outra estratégia adotada pelas mulheres, LGBTI+, e a população negra tem sido a articulação de candidaturas coletivas. Uma ideia de mandato com diferentes vozes que, unidas, obtiveram êxito nas eleições de 2018, como foi o caso do Juntas, em Pernambuco, e da Bancada Ativista, em São Paulo.

Segundo Ingrid, essa coletividade tem sido importante para repensar os “modelos estéticos criados pela branquitude e pelas classes mais altas”, como classifica. Pernambucana, ela acompanha de perto o trabalho das codeputadas do Juntas na assembleia legislativa do estado. 

“As pessoas se veem ali, na mulher ambulante, na mulher trans, na professora do interior. São pessoas como a gente. A estética, quando ela muda, muda também a forma com que a sociedade passa a se ver, como parte daquele espaço. É importante defender esse formato porque para gente preta e periférica fazer campanha, sozinha, é muito difícil. Quando pensamos nesses formatos coletivos estamos garantindo, inclusive, uma possibilidade de cuidar das pessoas, até da saúde mental e do auto cuidado durante esse processo de campanha que é muito violento”, observa a ativista. 

Confira a entrevista completa 

Redação: Clara Assunção. Edição: Glauco Faria


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