Em São Paulo

Candidatas lutam para superar a sub-representação das mulheres na política

Candidatas Tamires Sampaio (PT), Ligia Mendes (UP) e Vivi Mendes (PT) afirmam que só a participação das mulheres pode transformar a capital paulista numa cidade mais segura e acolhedora

Reprodução/Arquivo Pessoal
Reprodução/Arquivo Pessoal
Na maior cidade do país, mulheres ocupam apenas 20% das cadeiras na Câmara dos Vereadores

São Paulo – A campanha para as eleições municipais começou e hoje (27). Além do comando das 5.570 prefeituras em todo o país, a população vai às urnas, no dia 15 de novembro, para escolher integrantes das câmaras locais. Mais do que propor leis no âmbito municipal, os vereadores também têm a função de fiscalizar os atos do Poder Executivo e colaborar no aprimoramento de políticas públicas.

Um dos principais desafios para tornar a política mais justa e inclusiva é superar a questão da sub-representação das mulheres. Após as eleições municipais de 2016, apenas 11,9% das cidades eram governadas por prefeitas.

Nos legislativos municipais, o cenário não é muito diferente. Em São Paulo, maior capital do país, apenas 11 das 55 vagas foram ocupadas por elas. Segundo dados do Censo de 2010, do IBGE, 53% da população paulistana era formada por mulheres. Mas, sem a devida representação, as mulheres acabam sendo preteridas nas políticas públicas desenvolvidas nos municípios.

Para buscar corrigir essa distorção, partidos de esquerda, como o PT, o Psol e a Unidade Popular, têm dobrado a aposta nas candidaturas femininas para a Câmara dos Vereadores de São Paulo.

Além das candidaturas coletivas compostas exclusivamente por mulheres negras, como o coletivo Negras Vozes e das mulheres do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), elas também se lançam individualmente.

Tamires Sampaio (PT), Vivi Mendes (PT) e Ligia Mendes (UP) são alguns exemplos de candidaturas femininas na capital. Em conversa com a RBA, elas discutiram a importância da participação das mulheres na elaboração de políticas públicas em saúde, transporte, educação. Todas consideram que só a partir da participação política direta é possível sonhar com uma São Paulo menos violenta e desigual e mais acolhedora para as mulheres.

Cidade antirracista

Moradora de Guaianazes, zona leste da capital, a jovem Tamires Sampaio, candidata pelo PT, quer colaborar na construção de uma “São Paulo antirracista”. Segundo a advogada, para combater o racismo, que atinge principalmente a juventude das periferias, ela defende não apenas políticas afirmativas. Mas a colaboração de diversos setores da administração municipal.

“Filha” das políticas de inclusão no ensino superior, por meio do Prouni, ela se formou em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Além disso, foi a primeira mulher negra a presidir o Centro Acadêmico João Mendes Júnior.

Recentemente, lançou o livro Código oculto: política criminal, processo de racialização e obstáculos à cidadania da população negra no Brasil (Ed. Contracorrente). Fruto da sua tese de mestrado, a obra analisa o racismo que perpassa as estruturas da Justiça.

Criada pelo ex-prefeito Fernando Haddad, a secretaria de Promoção de Igualdade Racial foi reduzida ao status de “coordenação”, na gestão do então prefeito João Doria. A redução do espaço de atuação, com a sua incorporação à secretaria de Direitos Humanos e Cidadania, reflete a “falta de compromisso” dos tucanos com o tema, segundo Tamires.

O combate ao racismo na maior cidade do país deve combinar ações que passam por uma nova política de segurança, aliadas a políticas de educação, saúde, transporte, lazer e criação de emprego nas periferias. É prerrogativa da prefeitura elaborar e desenvolver tais políticas. Mas cabe ao Legislativo fiscalizar. Além de definir a aplicação dos recursos do orçamento.

Tamires defende, por exemplo, o fortalecimento de conselhos de segurança que existem nos bairros, com a participação dos movimentos sociais. “É preciso transformar essa lógica da política de segurança, e garantir que exista participação popular”, afirmou.

Políticas transversais

Em julho, foi sancionado o Programa Municipal de Saúde da População Negra. Tamires destaca que cabe, agora, aos vereadores fiscalizar e garantir a sua efetiva implementação nas unidades de saúde do município. O programa tem como objetivo desenvolver, de forma integral, ações de promoção, prevenção e recuperação da saúde da população negra e afrodescendente.

Na educação, o Legislativo municipal deve contribuir para a retomada da implementação da Lei 10.639, de 2003, que institui o ensino da História da África nas escolas públicas e privadas. ” Só na gestão do Haddad é que os professores passaram a ter formação para conseguir falar sobre esses conteúdos em sala de aula. Depois que a gestão acabou, acabaram essas formações. Quando a gente fala de combate ao racismo, educação é um dos principais pilares”.

Tamires também defende o fortalecimento dos espaços culturais na periferia paulistana. As atividades artísticas ainda tem o potencial de fomentar a economia regional. “A gente vive num país e numa cidade que promovem a criminalização da cultura periférica. Tem bairros da periferia que sequer têm praça pública, que não tem nenhum espaço de lazer para a população em geral.

Mobilidade

Ela também criticou a gestão Doria/Covas pela restrição no passe livre estudantil. Até então, os estudantes tinham direito de realizar até oito embarques por dia, sem restrição de horário da utilização. O benefício valia para a rede pública dos ensinos fundamental, médio e técnico, além de estudantes de universidades públicas com renda per capita de até 1,5 salário mínimo e beneficiários dos programas Fies e Prouni em universidades privadas. Contudo, atualmente, eles só podem realizar até quatro embarques em um dos dois períodos de duas horas, apenas para o trajeto até as escolas.

Poder Popular

As eleições municipais desse ano também marcam a estreia de um novo partido: a Unidade Popular. Em São Paulo, a candidata Ligia Mendes destaca a necessidade de ampliar a participação das mulheres. “A gente já é mais da metade da população. E o espaço da política tem que expressar isso”. Também moradora de Guaianazes, ela afirma que são as mulheres trabalhadores das periferias que mais sofrem com a violência e com a dificuldade no acesso aos serviços essenciais, como na saúde, por exemplo.

Servidora municipal da Saúde, Ligia critica a privatização no setor, com o avanço das terceirizações e o aumento da presença das organizações sociais. “Contrato não é política de saúde”, afirmou. Segundo ela, Com esse modelo os gastos aumentam, mas os índices de saúde na cidade não se desenvolvem na mesma proporção.

Ela também citou como problema “gravíssimo” o desmantelamento da Coordenadoria de Vigilância em Saúde (Covisa), que teve metade dos seus funcionários transferidos em agosto, em meio à pandemia. Ela avalia como uma “retaliação” da prefeitura, já que os fiscais do órgão são responsáveis por avaliar os riscos de contaminação nos postos de trabalho, indicando, inclusive, o fechamento de empresas que não estavam tomando os necessárias medidas de prevenção.

Ligia também ressalta que, durante a pandemia, sem políticas públicas adequadas, foi delegado às mulheres o cuidado com os filhos que ficaram sem poder frequentar as escolas. Além disso, foram elas as primeiras a serem demitidas. Com o isolamento, ainda houve o agravamento, com o aumento do número de casos, da violência contra a mulher. “Em toda crise, as mulheres são as que primeiro sofrem. Desempregadas, essas mulheres voltam para as suas casa em situação de maior vulnerabilidade. E muitas vezes é nesse espaço onde elas sofrem violência”.

Renda básica para elas

Vivi Mendes também é advogada. Foi assessora parlamentar, também atuou na Secretaria Especial de Políticas para Mulheres da prefeitura de São Paulo. Candidata pelo PT, uma das suas propostas legislativas é a criação da Renda Básica de Cidadania para as mulheres. Além de uma etapa na busca pela Renda Básica Universal, a inclusão das mulheres paulistanas no programa é uma forma de recompensa-las pelos trabalhos doméstico e reprodutivo. “O próximo passo para a institucionalização da Renda Básica tem que caminhar junto com as mulheres, que são a base da sociedade, são maioria na população mais pobre”.

Ela também acredita que só o aumento da participação política das mulheres é capaz de fazer com que políticas que são do interesse delas saiam efetivamente do papel. Ela cita que a cidade de São Paulo que tem o maior número de equipamentos públicos voltados ao combate à violência contra a mulher. Ainda assim, falta uma política integrada, e que abranja todas as regiões e chegue nas periferias. “A gente tem que praticar e estabelecer uma nova cultura em que as mulheres se reconheçam na política. Nós podemos estar lá. E vamos estar lá.”

Idealizadora da campanha Fluxo Solidário, que arrecada absorventes e materiais de higiene para mulheres em situação de vulnerabilidade social, Vivi acredita que o Poder Público deve atuar no combate à “pobreza menstrual”. Assim como já existe a distribuição gratuita de preservativos no sistema de saúde, ela diz que é possível fazer o mesmo com a distribuição de protetores menstruais. Como ocorreu no início da pandemia, quando a Prefeitura lançou edital para a compra de máscaras caseiras, o mesmo poderia ocorrer com a produção de coletores reutilizáveis e calcinhas menstruais. “Fazendo essa contratação, o Poder Público colabora com a geração de renda para essas mulheres”, afirmou.


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