Velha política

Alcolumbre ‘senta em cima’ e evita pautar vetos de Bolsonaro

Aliado do governo, presidente do Senado não coloca em votação vetos à obrigatoriedade do uso de máscaras em locais públicos e à ampliação do auxílio emergencial às mulheres, entre outros

Reprodução/TV Senado
Reprodução/TV Senado
"Senador constrói uma relação com Bolsonaro e não põe para votar”, diz Enio Verri

São Paulo – O Congresso Nacional já deveria ter apreciado diversos vetos do presidente Jair Bolsonaro em trechos de projetos aprovados no parlamento. Porém, o presidente do Senado e do Congresso, Davi Alcolumbre (DEM-AP), a quem cabe convocar a sessão conjunta das duas casas do Legislativo, não convoca a sessão. Os vetos de Bolsonaro dizem respeito a matérias relevantes, como o da obrigatoriedade do uso de máscaras em locais públicos, a ampliação do direito ao auxílio emergencial às mulheres, o repasse de R$ 8,6 bilhões aos estados e municípios para o combate à pandemia, o reajuste salarial de servidores, entre outros. Todos já ultrapassaram o prazo de 30 dias para serem voados.

No início de julho, o veto do presidente à obrigatoriedade do uso de máscaras em estabelecimentos comerciais, templos religiosos, instituições de ensino e outros locais causou indignação no meio científico e médico.
A infectologista Raquel Stucchi, da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), por exemplo, se disse “chocada” com a medida, que, segundo ela, “coloca em xeque a ciência e expõe as pessoas” ao risco de contaminação pelo coronavírus.

“Assim que houver negociação entre o Congresso e o governo, entrará na pauta e vai a votação. Mas Alcolumbre está sendo aliado do governo nesse processo. Em grande parte dos vetos, Bolsonaro rompeu acordo com o parlamento”, diz Antônio Augusto de Queiroz, o Toninho, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (idap).

Ele menciona outro veto relevante de Bolsonaro, o trecho do marco legal do saneamento que possibilitava às estatais renovarem os contratos por 30 anos. A intenção desse veto é agilizar as privatizações. “Isso não estava em cogitação, mas Bolsonaro não cumpriu acordo e vetou o ponto, que interessa ao mercado”, afirma o analista.

“Humanamente impossível”

Nesta quinta-feira (6), Alcolumbre disse a jornalistas que procura um acordo entre líderes do Senado, da Câmara e do governo, para finalmente marcar a sessão sobre os vetos. “É humanamente impossível conduzir uma sessão do Congresso nesse período de pandemia, onde cada Casa vota separadamente, se não tivermos o mínimo de acordo com os líderes partidários”, disse Alcolumbre, ao lado de Bolsonaro. Segundo a Agência Senado, são  mais de 100 pontos que precisam ser analisados em cerca de 30 vetos a serem apreciados.

A derrubada desses vetos seria uma derrota política para o governo, além de contrariar o ministro da Economia, Paulo Guedes. “Apesar da situação de excepcionalidade, devido à pandemia, já que a sessão tem que ser conjunta e presencial da Câmara e do Senado, é possível fazer a sessão remotamente, como no projeto de decreto legislativo sobre crédito”, destaca Queiroz. Ele se refere à liberação de crédito suplementar de R$ 343,6 bilhões para o governo enfrentar a pandemia, em maio.

Interesses políticos

A postura de Alcolumbre se relaciona com seus próprios interesses políticos. Ele postula ser reeleito para a presidência do Senado, e para isso precisa do apoio da base governista. “A Câmara tem cobrado com muita frequência que Alcolumbre convoque a sessão para votar. Mas ele está fazendo corpo mole para agradar o governo e ver se consegue a eleição ao Senado”, afirma diz o deputado federal Enio Verri (PT-PR).

Em princípio, Alcolumbre não poderia concorrer à reeleição, já que foi eleito em fevereiro de 2019. Segundo uma interpretação jurídica, ele não poderia concorrer duas vezes seguidas na mesma legislatura. No entanto, o senador tenta juridicamente mudar ou dar outra interpretação à regra.

“Ele tem que chamar a sessão do Congresso para votarmos os vetos, mas ‘sentou em cima’ e não convoca a sessão. A Câmara tem cobrado isso com muita frequência, mas Alcolumbre está construindo uma relação com Bolsonaro e não põe para votar”, diz o deputado.

O prazo para o Congresso apreciar vetos presidenciais é de 30 dias, segundo a Constituição. Porém, a situação de excepcionalidade acaba sendo justificativa, para Alcolumbre, para não haver a sessão conjunta. “Mas não tem como segurar por muito tempo, mesmo no período de pandemia, porque a pressão está forte”, diz Queiroz, do Diap.