Ação tardia

Lava Jato ‘descobre’ José Serra para tentar recuperar protagonismo perdido

Operação busca aparentar uma isenção que nunca existiu por parte de integrantes da força-tarefa. Senador tucano pode ainda ser beneficiado pela prescrição

Edilson Rodrigues/Agência Senado
Edilson Rodrigues/Agência Senado
Denúncia do MPF teria motivação política. "Nas eleições de 2022 essa real face da Lava Jato ficará mais escancarada"

São Paulo – O cumprimento de mandados de busca e apreensão nas residências do senador José Serra (PSDB) e de sua filha, Verônica Serra, hoje pela manhã, no âmbito da operação desencadeada pela Lava Jato de São Paulo podem fazer parte de uma tentativa da força-tarefa e de seus integrantes de recuperar o protagonismo e o prestígio político perdidos. Ainda assim, do ponto de vista jurídico, a denúncia do Ministério Público Federal (MPF) pode poucos efeitos. Ou mesmo nenhum.

“Acredito que seja uma leitura para o horizonte de 2022; o objetivo dos membros da Lava Jato é preparar Sergio Moro como candidato a presidente em 2022”, avalia o cientista político Paulo Nicoli Ramirez, em entrevista à RBA. “E para isso é preciso descartar a possibilidade de um partido de centro-direita ou à direita ter nomes fortes. Não que ele (Serra) pudesse ser candidato à presidência, mas é um nome representativo do partido e isso mancha a legenda como um todo.”

O timing da operação também chama a atenção do cientista político. “As primeiras denúncias contra Serra surgem no livro A Privataria Tucana, em 2011, e mostravam como ele teria desviado dinheiro público para a construção do Rodoanel. Não se deu muita atenção a isso na época, até porque havia relação do PSDB com integrantes do Ministério Público, e agora levaram à frente uma investigação da Lava Jato de 2017. Mostra o caráter seletivo: em relação a Lula, com documentação duvidosa, o processo correu em uma velocidade jamais vista no Judiciário brasileiro”, compara.

Ainda em relação ao momento em que a operação é desencadeada, Nicoli destaca as revelações feitas pelo The Intercept Brasil e Agência Pública, evidenciando que a força-tarefa de Curitiba foi auxiliada pelo Federal Bureau of Investigation (FBI, Departamento Federal de Investigação, em português) dos Estados Unidos. “Marilena Chauí dizia que a Lava Jato estava banhada de intervenções e influências norte-americanas, e agora sai a notícia comprovando o que foi dito anos atrás.”

O aparente “divórcio” do lavajatismo com o governo Bolsonaro, provocado pela saída de Sergio Moro do governo, também seria uma motivação para que os integrantes da força-tarefa buscassem novamente os holofotes. “Em um primeiro momento, a Lava Jato consegue congregar partidos de centro-direita, mas agora tenta criar um projeto político, e não duvido que nos próximos anos vejamos não só a figura de Sergio Moro, mas de outros juízes e promotores participando de processos eleitorais. Nas eleições de 2022 essa real face da Lava Jato ficará mais escancarada.”

Possível prescrição beneficiaria Serra

A denúncia oferecida pelo MPF aponta que, nos anos de 2006 e 2007, o então governador José Serra “valeu-se de seu cargo e de sua influência política para receber, da Odebrecht, pagamentos indevidos em troca de benefícios relacionados às obras do Rodoanel Sul”. A distância relativa ao momento em que o crime foi praticado pode dar lugar à prescrição, que extingue a punibilidade do eventual delito cometido.

“A denúncia se refere a fatos cometidos em 2006 e 2007, e por conta disso é possível ver a questão da demora para persecução penal atinente a José Serra. E não é a primeira vez, se analisarmos outros casos em que ele foi investigado. Sempre há esse lapso temporal extremamente grande entre os fatos cometidos e a imputação de responsabilidade”, pontua o advogado criminalista e professor universitário do Centro Universitário Curitiba (UniCuritiba) José Carlos Portella Junior à RBA. “Do ponto vista jurídico, há possibilidade de ocorrer prescrição, como já ocorreu em outras investigações contra políticos do PSDB.”

Em 2010, o inquérito que investigava suposto caixa dois na campanha presidencial de José Serra de 2014 foi arquivado pela ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber, seguindo recomendação da então procuradora-geral da República, Raquel Dodge. A história pode se repetir.

“Se pegar a reforma feita em 2010, dali pra frente conseguiria se escapar da prescrição nos crimes cometidos depois dessa data, porque o marco inicial da contagem da prescrição é diferente. Mas como é uma lei penal ela não pode retroagir, a não ser que seja benéfica para o réu. Ainda que ele (Serra) venha a ser condenado, possivelmente, pela pena e pela idade, ocorrerá fatalmente a prescrição retroativa, pela pena que a pessoa pega na sentença e não pela pena máxima”, avalia.

No Brasil, a prescrição pode se dar baseada na pena abstrata máxima, antes da sentença, e também calculada a partir da pena real imposta ao réu. Os prazos prescricionais caem pela metade para acusados com mais de 70 anos na data da sentença. Serra tem 78.

Portella atenta ainda ao fato de a denúncia ter vindo a uma altura em que a carreira política de José Serra tem bem menos visibilidade do que há algum tempo. “Quando ele é um político dentro da concorrência eleitoral, a gente via que as operações contra ele não aconteciam, não havia o estardalhaço midiático. Quando teve o trensalão, a mídia comercial pouco falava, não existia um movimento expressivo da Justiça para conduzir de forma mais rápida. E agora que o Serra é quase um político aposentado, vão pra cima dele.”


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