Reportagem

Diálogos vazados mostram proximidade entre FBI e a Lava Jato

Agente que atuou na Lava Jato no Brasil virou chefe de unidade de corrupção do FBI e teve “total conhecimento” das investigações sobre a Odebrecht

Arte: Bruno Fonseca/Agência Pública - Foto: Site Piloto Policial
Arte: Bruno Fonseca/Agência Pública - Foto: Site Piloto Policial
Leslie R. Backschies, a segunda à esquerda, e mais quatro agentes do FBI visitaram o Grupamento de Radiopatrulha Aérea (GRPAe) da Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP)

Agência Pública/The Intercept Brasil – Nos seus pouco mais de 20 anos no FBI, a agente especial Leslie R. Backschies esteve diversas vezes no Brasil. Leslie, cujo nome do meio é Rodrigues, com a grafia portuguesa, é fluente na língua nacional e vem ao país desde pelo menos 2012, ano em que há um primeiro registro de uma visita sua à Polícia Militar de São Paulo. É, também, a única foto que se encontra na internet dessa notável agente do FBI – embora esteja longe da câmera e de óculos escuros. O objetivo daquela visita era firmar parcerias para capacitação de policiais para responder a ameaças terroristas antes da Copa de 2014.

Ao longo de sua carreira, Leslie trabalhou na divisão de Segurança Nacional do FBI, atuando nas áreas de contraterrorismo e resposta a armas de destruição em massa – ela foi coautora de um guia sobre armas biológicas para o site Jane’s Defense.

Trabalhando para a Divisão de Operações internacionais do FBI, em 2012 Leslie mudou-se para a América do Sul, passando a viver em local não revelado, de onde supervisionava os escritórios do FBI nas capitais do México, Colômbia, Venezuela, El Salvador e Chile, além dos agentes do FBI lotados na embaixada em Brasília. No mesmo posto, comandou operações da polícia federal americana em Barbados, República Dominicana, Argentina, Panamá e no Canadá.

Mas nos últimos anos, a carreira de Leslie deu uma guinada. De especialista em armamentos e terrorismo, ela passou a se dedicar a investigar casos de corrupção e lavagem de dinheiro na América Latina – com destaque para o Brasil.

Em 2014, Leslie foi designada pelo FBI para ajudar nas investigações da Lava Jato. A informação consta de reportagem do site Conjur sobre evento promovido pelo escritório de advocacia CKR Law em São Paulo, em fevereiro de 2018, que contou com presença dela. A atuação de Leslie foi considerada “um trabalho tremendo” e “crítico para o FBI” pelos seus supervisores, segundo seu ex-chefe afirmou em um evento sobre o combate à corrupção em Nova York no ano passado acompanhado por uma colaboradora da Pública.

Leslie se tornou especialista na legislação FCPA, Foreign Corrupt Practices Act, uma lei americana que permite que o Departamento de Justiça (DOJ) investigue e puna nos Estados Unidos atos de corrupção praticados por empresas estrangeiras mesmo que não tenham acontecido em solo americano. Foi com base nessa lei que o governo americano investigou e puniu com multas bilionárias empresas brasileiras alvos da Lava Jato, dentre elas a Petrobras e a Odebrecht, que se comprometeram a desembolsar mais de US$ 4 bilhões em multas para os EUA, Brasil e Suíça.

Hoje morando de novo nos Estados Unidos, Leslie comanda a Unidade de Corrupção Internacional do FBI, cuja grande novidade no ano passado foi um escritório aberto em março em Miami apenas para investigar casos de corrupção na América do Sul, o Miami International Corruption Squad.

A unidade conta com seis agentes especiais, um supervisor e um contador forense que atuam na cidade conhecida por receber exilados cubanos, venezuelanos e, mais recentemente, uma enxurrada de ricos brasileiros. “Você não pode apenas ter um agente ou dois em um escritório em campo trabalhando com isso…. Não dá para trabalhar com isso apenas duas ou três horas por semana. Assim não vai funcionar. Você precisa de recursos dedicados em período integral”, afirmou Leslie à à Agência de Notícias Associated Press.

O esquadrão para América do Sul é o quarto esquadrão do FBI especializado em corrupção internacional. Todos foram abertos nos últimos cinco anos – ao mesmo tempo que a maior investigação de corrupção da história brasileira varria o continente.

A reportagem pediu uma entrevista a Leslie Backschies, mas não obteve resposta até a publicação.

Cinco anos depois, Leslie parece bastante satisfeita com os resultados. “Nós vimos muita atividade na América do Sul — Odebrecht, Petrobras. A América do Sul é um lugar onde… Nós vimos corrupção. Temos tido muito trabalho ali”, disse ela à Agência de Notícias Associated Press no começo de 2019.

“Não dá pra ser melhor do que isso”, ela afirmou no evento da CKR Law em São Paulo. “Nossa relação com o Brasil é o modelo de colaboração para países lutando contra crimes financeiros”.

“Isso é apenas o começo. Temos o enquadramento correto, a vontade e os fundos para continuar trabalhando juntos”,

Em outubro de 2015, Leslie fez parte da comitiva de 18 agentes americanos que foram a Curitiba se reunir com procuradores e advogados de delatores sem passar pelo Ministério da Justiça, órgão que deveria, segundo a lei, intermediar todas as matérias de assistência jurídica com os EUA, segundo revelaram Agência Pública e The Intercept Brasil.

A proximidade com a equipe da Lava Jato era tanta que Leslie foi um dos agentes do FBI que posaram com um cartaz apoiando o projeto de lei das 10 Medidas Contra a Corrupção, bandeira da Força-Tarefa e em especial do seu chefe, Deltan Dallagnol, que foi derrotada no Congresso Nacional.

Em um chat com Deltan em 18 de maio de 2016 constante do arquivo entregue ao site The Intercept Brasil, a procuradora Thaméa Danelon, ex-coordenadora da Força-Tarefa em São Paulo, brincou antes uma viagem para os EUA: “Vou tentar tirar uma foto c a Jennifer Lopes e o cartaz das 10 Medidas”, brinca ela. “Os agentes do FBI já apoiaram. Mas não pode publicar a foto ok? Eles não deixaram”, explica Thaméa, enviando a foto a seguir.

Thaméa Danelon, ex-coordenadora da Força-Tarefa em São Paulo, e Deltan Dallagnol, chefe da Força-Tarefa da Lava Jato (Arte: Bruno Fonseca/Agência Pública – Foto: Rovena Rosa/MPF)

A imagem foi posteriormente apagada e não consta do arquivo entregue ao Intercept. Se divulgada, ela poderia causar uma saia justa ao MPF por se tratar de autoridades estrangeiras atuando em uma campanha legislativa nacional.

Thaméa diz que na foto todos são agentes, com exceção de uma tradutora brasileira. Mostrando familiaridade com a agente americana, Deltan Dallagnol se entusiasma e diz que a imagem lembra o filme Missão Impossível, estrelado por Tom Cruise. “Legal a foto! A Leslie está em todas rs”.

Confira a reportagem completa