Vigilância

PL das ‘fake news’ prevê coleta massiva de dados e RG para acessar redes sociais

Entidades alertam para a criação de “gigantescos bancos de dados” sob controle de empresas privadas. Projeto deve ser votado no Senado nesta quinta

Arquivo/Agência Brasil
Arquivo/Agência Brasil
Twitaço #NãoVotaPLFakeNews pressiona pelo adiamento da discussão

São Paulo – Senadores devem votar nesta quinta-feira (25) o Projeto de Lei (PL) 2.630/2020, com medidas de combate à disseminação de notícias falsas. Mas a última versão do relatório, apresentada pelo senador Angelo Coronel (PSD-BA), suscitou diversas preocupações de entidades que defendem os direitos dos usuários.

No início do mês, o Senado havia tentado colocar o projeto em votação. Mas não havia consenso sobre a versão do texto apresentada para a criação da Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. Desta vez, texto final do relator foi apresentado somente na quarta-feira (24), a menos de 24 horas do início da votação da proposta.

A identificação em massa nas redes sociais e a rastreabilidade de mensagens compartilhadas no WhatsApp são as questões mais controversas. Parlamentares também questionam se seria o caso de votar matéria como essa durante a pandemia, quando o Congresso funciona com sessões virtuais.

Nele, está previsto a exigência de documento de identidade e número de celular válido para cadastro nas redes sociais. A obrigatoriedade de identificação fere o princípio de coleta mínima de dados. É o princípio que norteia o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais.

Reações críticas

Até mesmo Facebook, Google e Twitter criticaram a proposta pela coleta excessiva de dados pessoais. O que chama a atenção, pois elas têm grande parte dos seus negócios baseada na monetização do uso desses dados.

E a necessidade do número de celular pode acarretar a exclusão de usuários que não têm acesso ao dispositivo. São, por exemplo, pessoas de baixa renda que acessam as redes sociais em lan houses, ou outros terminais compartilhados. E que não necessariamente possuem uma linha de telefone celular.

Também obriga os serviços de mensagens a arquivar, por no mínimo três meses, os dados dos usuários que tenham compartilhado uma mesma mensagem a cinco usuários ou mais em até 15 dias. Com essa “cadeia de rastreabilidade”, o objetivo é identificar a origem de mensagens consideradas danosas ou mentirosas.

Vigilância

Para as entidades que integram a Coalizão Direitos na Rede, da forma como foi apresentado pelo senador Angelo Coronel, o PL das fake news “viola a privacidade, a segurança e institui vigilantismo na Internet”. Elas classificam sua eventual aprovação como “altamente perigosa para o exercício da liberdade de expressão e, consequentemente, para a garantia de direitos humanos fundamentais e da própria democracia.”

Fazem parte da coalizão organizações como a Artigo 19, o Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS-Rio), entre outras.

Elas também criticam a forma de escolha dos integrantes do Conselho de Transparência e Responsabilidade na Internet. Caberia ao presidente do Senado efetivar a nomeação desses representantes, o que inibiria a participação autônoma da sociedade civil. Além disso, abriria brechas para a ingerência política no colegiado, segundo as entidades.

Indústria da desinformação

Segundo a Coalizão, apesar dos anseios em “combater a indústria da desinformação”, tal objetivo legítimo “não pode justificar a criação de  gigantescos bancos de dados pessoais dos usuários da Internet, que ficarão sob controle de empresas privadas e, assim, abrirão enorme espaço para a vigilância dos brasileiros e brasileiras”. Portanto, defendem o adiamento da discussão. A partir das 12h desta quinta (25), as entidades convocam um “twitaço” com o mote #NãoVotaPLFakeNews.

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) também assinou carta conjunta, com outras 46 entidades nacionais e internacionais, pedindo que o projeto não seja votado da maneira como se encontra. Segundo a entidade, a aprovação desse texto abriria “precedente preocupante” para outros países que atualmente discutem regulações para restringir a desinformação.

O Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) também enviou ofício ao Senado solicitando a postergação dessa votação, de forma a garantir debate mais amplo com a sociedade. “Temas de grande importância, como desinformação ou fake news, devem ser amplamente debatidos para que não retrocedam em leis já existentes e não viole a liberdade de expressão e nem transfiram para terceiros o poder de estabelecer a ‘verdade'”.

Propaganda eleitoral

Avançando para além do ambiente virtual, o texto também prevê o agravamento de penas para candidatos, partidos ou coligações que ridicularizem competidores ou coloquem em risco a credibilidade do processo eleitoral, durante a propaganda eleitoral em rádio e TV. As multas variam de R$ 5 mil a R$ 1 milhão. Atualmente, eles só ficam suscetíveis à perda do direito à veiculação de propaganda no horário eleitoral gratuito.

O texto também aumenta o valor da multa a quem realizar propaganda eleitoral na internet atribuindo indevidamente sua autoria a terceiro. Ou que produzir ou divulgar imagem ou voz manipulada para imitar a realidade, com o objetivo de induzir a erro acerca da identidade de candidato. Nesse quesito, as multas também podem achegar a R$ 1 milhão. Foram ressalvados de punição os conteúdos com intenção humorística ou de paródia.

Revisão

Outra minuta do projeto havia sido apresentada por Angelo Coronel na semana passada, com pontos ainda mais polêmicos. Naquele momento, a Coalizão chamou o relatório de “PL Black Mirror“, em alusão à série distópica da Netflix. De lá pra cá, o relator retirou a parte que tipificava os crimes contra a honra (calúnia, difamação e injúria) na internet, com punições mais severas do que as previstas atualmente no Código Penal.

Também caiu o dispositivo que permitia que posts classificados como fake news fossem excluídos sem contestação. Agora, as redes sociais terão não só de avisar os autores mas também permitir a defesa para que o conteúdo permaneça no ar. Caso decida pela remoção, será possível que os usuários apelem da decisão. As postagens poderão ser retiradas do ar apenas com decisão judicial, conforme já prevê o Marco Civil da Internet.

Inoportuno

Em suma, Apesar das mudanças, os pontos que foram mantidos, como a coleta massiva de dados, o rastreamento dos usuários e a formação do conselho, ainda causam enorme preocupação. Contudo, mesmo sob críticas, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), incluiu o PL das fake news na pauta de votação desta quinta-feira (25). Segundo ele, o projeto representa ” um freio de arrumação nas agressões, ameaças, violências e ofensas que milhões de brasileiros sofrem nas redes”.

Edição: Helder Lima