Obscurantismo

‘Brasil se assemelha às piores ditaduras’, diz Padilha sobre divulgação de dados da covid-19

Câmara e Senado vão usar informações das secretarias estaduais para divulgar números da pandemia do novo coronavírus no país

Lula Marques
Lula Marques
"Está claro que não dá para confiar em absolutamente mais nada por parte do Ministério da Saúde"

São Paulo – A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), por meio de seu presidente, Felipe Santa Cruz, anunciou nesta segunda-feira (8) que vai entrar com representação no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o governo de Jair Bolsonaro. O Executivo passou a mascarar os números relativos à pandemia de covid-19.  “É uma ocultação proposital, injustificada e danosa. Os dados estão sendo manipulados diariamente para dificultar a interpretação”, escreveu no Twitter. Para ele, a política representa “um perigoso e letal vexame”.

No Congresso Nacional, Câmara e Senado reagiram rapidamente à decisão do governo. “É inadmissível. O Brasil se assemelha às piores ditaduras. Ditaduras é que têm essa prática de esconder informações de saúde quando enfrenta qualquer epidemia”, diz o deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP), membro da comissão externa e ex-ministro da Saúde.

A comissão externa da Câmara formada para promover ações contra o coronavírus trabalha para fazer um painel independente e divulgar os dados sobre a situação da doença em todo o país.

A intenção é devolver a credibilidade dos boletins diários ao conjunto da população. O presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), anunciou um trabalho conjunto nesse sentido com o Tribunal de Contas da União e Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass), que reúne todas as secretarias estaduais, para fazer a divulgação diária dos dados.

O presidente da Câmara também se manifestou sobre a tentativa do governo Bolsonaro de esconder e maquiar dados sobre a covid-19. “Brincar com a morte é perverso”, disse. Ele acrescentou ser urgente que o Ministério da Saúde resgate a credibilidade das informações e disse que a comissão externa “vai se debruçar sobre as estatísticas”.

“É fundamental que a gente tenha um painel independente em relação ao governo federal. Está claro que não dá para confiar em absolutamente mais nada por parte do Ministério da Saúde sobre informação”, diz Padilha.

Os jornais O Globo, Extra, O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo e os portais UOL e G1 resolveram trabalhar em conjunto para totalizar e divulgar informações que o governo decidiu omitir.

Para Padilha, a mudança na metodologia do governo para ocultar os dados é grave, porque, a desconfiança na autoridade sanitária máxima do país provoca reação em cadeia de desconfiança de toda a sociedade, que passa a duvidar das secretarias municipais e estaduais e dos próprios médicos. “E isso só vai piorar aquela que já é a maior tragédia humana do país.”

Mobilizações

PCdoB, PDT e Rede também foram ao STF com uma ação exigindo que o governo divulgue os dados completos da covid-19 até 19h30 de cada dia. O deputado Alessandro Molon (PSB-RJ) protocolou pedido de convocação do ministro da Controladoria-Geral da União, Wagner Rosário, para prestar esclarecimentos sobre a transparência das informações do governo, “para que ele explique a manipulação do número de mortos pelo coronavírus”.

No Senado também houve mobilização. O líder da oposição, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), informou ter tomado medidas judiciais para a divulgação completa dos balanços de infectados e mortos.  “Manipular dados de mortes é prova da crueldade de Bolsonaro. Já acionamos o STF e vamos representar em todos os lugares possíveis para que a verdade seja restabelecida”, disse.

Para Padilha, ao dizer que os boletins não seriam divulgados para não aparecer no horário nobre na Globo, “Bolsonaro pôs a digital dele nessa ação e reafirmou sua orientação. Isso confere responsabilidade nessa atitude. Não pode mais dizer que não sabia.”

Credibilidade zero

O esvaziamento da credibilidade do país no mundo é crescente. O Brasil é citado por políticos e jornais como exemplo do que há de pior. Nesta segunda, o governador da província argentina de La Pampa, Sergio Ziliotto, declarou que “com (o ex-presidente) Macri no governo, estaríamos cavando túmulos como (Jair) Bolsonaro, infelizmente”, disse.

No sábado, a universidade Johns Hopkins – que divulga os dados da pandemia de todo o mundo – chegou a  tirar o Brasil da lista por algumas horas. “O Brasil amplia a desconfiança do mundo. Investidores, universidades e agências internacionais passam a desconfiar de tudo que o governo brasileiro faça”, afirma Padilha.

“Já vinha acontecendo isso em relação ao meio ambiente”, prossegue o parlamentar. Ele lembra que o país vinha sendo referência mundial na área da saúde, a partir de programas nacionais como de controle da malária e HIV, campanhas de vacinação, pesquisa sobre zika vírus e outras ações.

O governo Bolsonaro “desde o começo destruiu” o departamento de ações contra a Aids, campanhas de prevenção deixaram de existir, não houve mais ampliação de acesso a medicamentos. “É retrocesso atrás de retrocesso. Foi assim também com o Mais Médicos e outros programas. Além de destruir os programas, o governo resolveu destruir o Ministério da Saúde, colocando uma máquina militar na pasta”, diz Padilha.

No domingo, depois da nova forma de divulgar os números da covid-19, o jornal britânico The Guardian destacou que o governo brasileiro é acusado de “totalitarismo e censura”.

Edição: Fábio M Michel


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