MP da autoproteção

MP de Bolsonaro livra agente público de punição no combate ao coronavírus, inclusive ele mesmo

“Bolsonaro edita MP para absolvê-lo dos crimes que comete durante a pandemia”, disse o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP)

Marcello Casal JrAgência Brasil
Marcello Casal JrAgência Brasil
Como MP, a medida passa a ter vigência imediata, mas deve passar por aprovação do Congresso Nacional em até 60 dias

São Paulo – “Ele cria espécie de excludente de ilicitude para se safar e punir governadores e prefeitos pelo caos (…) É muita desfaçatez de Bolsonaro, cria aglomerações e não age para conter a covid-19.” A avaliação é da presidenta do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), sobre a Medida Provisória 966, publicada na manhã de hoje (14) pelo presidente.

Na prática, a medida livra de responsabilidade agentes públicos que cometam “erros” – sanitários, econômicos e sociais – em ações de combate à pandemia do novo coronavírus. O próprio Bolsonaro seria um beneficiário de tal medida, já que seu posicionamento é o de tratar a infecção causada pelo novo coronavírus como “gripezinha”, mesmo teno o país registrado quase 900 mortes pela covid-19 só no dia de ontem. O presidente também insiste em atacar medidas de isolamento social, única ação comprovada pela ciência para conter a disseminação.

Repercussões

Além de Gleisi, outros políticos se manifestaram sobre a MP do Bolsonaro, criticando seu teor de autoproteção. “Bolsonaro edita MP para absolvê-lo dos crimes que comete durante a pandemia”, disse o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP). “MP anti impeachment. Assim, deveria chamar a MP editada por Bolsonaro. Ele quer cometer crimes e não responder por eles”, completou.

O também deputado federal Marcelo Freixo (Psol-RJ) aponta para outra brecha nesta medida, que livra corruptos de punições futuras. “Bolsonaro está criando o excludente de ilicitude da corrupção com essa MP que livra agentes públicos que prejudicarem o combate à pandemia. A medida abre brechas para que envolvidos em compras superfaturadas de ventiladores, por exemplo, não sejam responsabilizados.”

Como uma MP, a medida passa a ter vigência imediata, mas deve passar por aprovação do Congresso Nacional em até 60 dias, prazo extensivo por mais 60. Parlamentares de diferentes correntes ideológicas já se articulam para tentar barrar a medida. “A medida protege agentes públicos que negligenciarem o enfrentamento à pandemia. Vamos lutar para derrubar essa MP”, completou Freixo.

Bolsonaro, de fato, já foi denunciado no Tribunal Penal Internacional, em Haia, por crimes contra a humanidade na condução política da pandemia. Entre outras posturas questionáveis, está a demissão do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, que defendia políticas de combate ao vírus. O presidente também insiste em forçar a aplicação do medicamento cloroquina (ou hidroxicloroquina) em qualquer paciente de covid-19. Bolsonaro não é médico e a substância não possui ação efetiva comprovada.

A íntegra da MP:

MP nº 966, de 13 de maio de 2020

Dispõe sobre a responsabilização de agentes públicos por ação e omissão em atos relacionados com a pandemia da covid-19.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 62 da Constituição, adota a seguinte Medida Provisória, com força de lei:

Art. 1º Os agentes públicos somente poderão ser responsabilizados nas esferas civil e administrativa se agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro pela prática de atos relacionados, direta ou indiretamente, com as medidas de:

  • I – enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente da pandemia da covid-19; e
  • II – combate aos efeitos econômicos e sociais decorrentes da pandemia da covid-19.

§ 1º A responsabilização pela opinião técnica não se estenderá de forma automática ao decisor que a houver adotado como fundamento de decidir e somente se configurará:

  • I – se estiverem presentes elementos suficientes para o decisor aferir o dolo ou o erro grosseiro da opinião técnica; ou
  • II – se houver conluio entre os agentes.

§ 2º O mero nexo de causalidade entre a conduta e o resultado danoso não implica responsabilização do agente público.

Art. 2º Para fins do disposto nesta Medida Provisória, considera-se erro grosseiro o erro manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia.

Art. 3º Na aferição da ocorrência do erro grosseiro serão considerados:

  • I – os obstáculos e as dificuldades reais do agente público;
  • II – a complexidade da matéria e das atribuições exercidas pelo agente público;
  • III – a circunstância de incompletude de informações na situação de urgência ou emergência;
  • IV – as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação ou a omissão do agente público; e
  • V – o contexto de incerteza acerca das medidas mais adequadas para enfrentamento da pandemia da Covid-19 e das suas consequências, inclusive as econômicas.

Art. 4º Esta Medida Provisória entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 13 de maio de 2020; 199º da Independência e 132º da República.

JAIR MESSIAS BOLSONARO

Paulo Guedes

Wagner de Campos Rosário