processo histórico

Para Franklin Martins, cresce sentimento de que Bolsonaro ‘é um desastre’

Na opinião do jornalista, o establishment acreditou que, com o tempo, conseguiria “domesticar” o presidente, mas ele não será domesticado

Marcello Casal/Agência Brasil
Marcello Casal/Agência Brasil
Nesta quarta (30), Bolsonaro mais uma vez promove aglomeração e a ideia de que a covid-19 é uma "gripezinha”

São Paulo – Em palestra no Diretório Nacional do PT, na quarta-feira (29), o jornalista Franklin Martins afirmou que a eleição de Jair Bolsonaro em 2018 foi um “acidente de percurso”; o establishment investiu na eleição de um candidato conservador, consolidando o processo iniciado em 2016 com o golpe “disfarçado de impeachment” que derrubou Dilma Rousseff e entregou o governo ao emedebista Michel Temer. Embora o sistema tivesse optado por Bolsonaro, a percepção do “desastre” que ele representa está crescendo, acredita o ex- ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social (Secom).

“O ‘plano A’ do sistema era a candidatura do ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB), mas Alckmin não decolou porque sua imagem estava fortemente associada à de Temer, então no fundo do poço”, avalia.

Segundo o jornalista, aconteceu com Alckmin o mesmo processo enfrentado por Ulysses Guimarães em 1989, que tinha sua imagem associada à de José Sarney, que presidiu o país de 1985 a 1989. “Como Alckmin não vingou, o establishment chegou à conclusão de que não tinha outra saída senão embarcar na candidatura de Bolsonaro, da extrema-direita.”

Para Martins, o que chama de establishment (grande imprensa, mercado financeiro, corporações do Estado) “dourou a pílula de sua adesão a Bolsonaro com a crença de que, com o tempo, iria domesticá-lo”.

O problema desse projeto é que Bolsonaro não será domesticado, de acordo com ele. “Políticos mudam de ideias, mas não mudam de personalidade. Bolsonaro não vai mudar. Ele só se equilibra na agressão, na exclusão, na violência, no supremacismo. Ele foi a solução possível para o establishment no curto prazo,” diz Martins.

Consequentemente, a relação entre o atual presidente da República e esquema todo que o levou ao poder chegou ao período de instabilidade a que o país está assistindo, em plena pandemia de coronavírus. A situação política caótica e o cenário econômico de estagnação se agravaram com a atitude irresponsável do governo Bolsonaro diante da pandemia, observa Martins.

“Em vez de comandar o país para enfrentar com união e preparo a grave ameaça, Bolsonaro vendeu a ideia de que ela não era essa coisa toda, apenas uma gripezinha.”

O jornalista diz que a conjuntura mostra divisões que não se dão apenas entre Bolsonaro e o sistema, mas também dentro do governo entre diferentes setores. “O clima de ‘estamos todos juntos para o que der e vier’, que vigorou nos primeiros meses de 2019, acabou”, observa.

Segundo ele, a saída de Sergio Moro do governo revela a disputa entre o agora ex-ministro da Justiça e Bolsonaro como “expressão da contradição” entre o presidente e a Rede Globo. “A partir de agora, o que vai balizar o quadro são as articulações para 2022 porque, afinal, não existe poder sem perspectiva de conquista ou de manutenção do poder.”

Entretanto, na avaliação de Martins, com o sentimento crescente de que Bolsonaro “é um desastre”, o desgaste do presidente vai aumentar nas próximas semanas. “E a questão do impeachment se colocará na ordem do dia”, embora não seja “uma questão de solução imediata”.

Pandemia

Martins prevê que nos próximos dias e semanas o quadro da pandemia de coronavírus vai se agravar de “forma terrível”. Para ele, esse é o principal problema da conjuntura. “A crise sanitária vem lançar a crise política e a crise econômica, que já eram monumentais, num patamar ainda mais dramático”, prevê.

Martins acrescenta que “hoje o que deve nos interessar é a saúde e a vida do povo” e não episódios de disputa de espaço político e midiático.

Do ponto de vista dos interesses do “ultraneoliberalismo”, nas palavras do ex-ministro, é importante considerar que a pandemia “colocou em xeque em escala mundial” o discurso do Estado mínimo. “Economistas, líderes políticos, setores da imprensa que até alguns meses atrás adotavam o discurso ultraneoliberal têm dados sinais nos últimos tempos de que ele está em xeque.”

Nesse cenário, acrescenta, o Estado provedor de bem-estar social volta à pauta. Segundo ele, essa discussão “veio para ficar, o que é algo muito positivo”. “Mas não nos iludamos. A turma do dinheiro só pensa nela e não recuará se não for obrigada a recuar pela política, pelos cientistas, pelos trabalhadores, pelos povos”, pondera o jornalista.