Corda bamba

Revelação de Moro é ‘grave’, diz OAB. Surgem novos pedidos de impeachment e de CPI para apurar crimes

Após revelações de Sergio Moro em sua demissão, juristas e parlamentares fazem lista de crimes que podem levar a processos contra Bolsonaro

Marcos Corrêa/PR
Marcos Corrêa/PR
Ex-juiz federal afirmou que o presidente Bolsonaro queria substituiu o diretor-geral da Polícia Federal para colher informações e relatórios sobre as investigações

São Paulo – Ao deixar nesta sexta-feira (24) o cargo de ministro da Justiça, o ex-juiz federal Sergio Moro acusou o presidente Jair Bolsonaro de possíveis crimes cometidos, como o de responsabilidade e de falsidade ideológica. O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, solicitou análise da Comissão de Estudos Constitucionais da entidade para apurar prática de crimes de responsabilidade.

“O pedido (demissão de Moro) foi formulado após a exoneração do chefe da Polícia Federal, conforme publicação do Diário Oficial, que conta com a assinatura do Ministro, a despeito da sua negativa em ter convalidado o ato”, observa Santa Cruz.

“Ao anunciar sua renúncia, o Ministro Sérgio Moro relatou: ‘O presidente me falou que tinha preocupações com inquéritos no Supremo, e que a troca seria oportuna por esse motivo, o que gera uma grande preocupação’. Acrescentou, ainda, que o Presidente Jair Bolsonaro supostamente teria dito que desejaria colocar um ‘contato pessoal dele [na PF] para poder ligar e colher relatórios de inteligência'”, prossegue.

“Diante da gravidade dos fatos narrados, solicito análise da douta Comissão Nacional de Estudos Constitucionais para que avalie se há ou não a caracterização de crime de responsabilidade praticado pelo Presidente da República”, conclui ofício do presidente da OAB. O relatório da Comissão de Estudos Constitucionais será o documento base para um eventual pedido de abertura de processo de impeachment contra Bolsonaro.

Impeachment e CPI

Após o pronunciamento de Moro, parlamentares entraram com novos pedidos de impeachment contra Bolsonaro e de abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre a intervenção política do governo na Polícia Federal.

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) afirmou que o partido pedirá o afastamento de Bolsonaro do cargo. “Entraremos ainda hoje com pedido de impeachment do Presidente da República, a partir das graves denúncias feitas pelo agora ex-ministro da justiça”, afirmou o parlamentar.

A deputada federal Sâmia Bonfim (Psol-SP) disse que o depoimento de Moro “dinamita qualquer ilusão de legitimidade” que ainda poderia existir no governo. “Bolsonaro não é um presidente. É um agente de sua milícia e de sua família, cometendo crimes de responsabilidade em série. O impeachment é inadiável”, declarou.

Nesta quinta (23), o decano do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Celso de Mello, intimou o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a explicar suposta omissão em dar prosseguimento a diversos pedidos de abertura de processo por crime de responsabilidade contra Bolsonaro.

Delação

O deputado Aliel Machado (PSB-PR) apresentou pedido de CPI contra o presidente. Segundo ele, as afirmações de Sergio Moro de que Jair Bolsonaro pretende usar a Presidência da República para interferir em investigações da Polícia Federal constitui crime.

“Tendo em vista o fim de proteção da norma, que é proteger a Administração de Justiça de interferências externas, é inaceitável que se legitime ações de obstrução do processo criminal em sentido estrito e em sentido amplo”, escreveu o deputado.

O PCdoB também solicitará a abertura de uma investigação no Legislativo. O deputado federal Orlando Silva (SP) anunciou que pedirá mais uma CPI. “As denúncias de Sérgio Moro sobre as interferências de Bolsonaro na PF deixam claro os intentos do presidente em acobertar crimes. Moro, ainda na qualidade de ministro, acaba de fazer uma delação que incrimina o presidente. Bolsonaro precisa ser investigado”, publicou nas redes sociais.

Perpétua Almeida (PCdoB-RS), líder da bancada, vai convocar Moro à Câmara para esclarecer o conjunto de crimes que presenciou o presidente Bolsonaro cometer. “A coletiva de Moro é uma delação e enquadra Bolsonaro em vários crimes previstos na Constituição Federal e no Código Penal”, acrescentou.

Crimes de Bolsonaro

Além de criticar a emparelhamento da PF com o governo federal, Moro acusou Bolsonaro, indiretamente, de ter publicado um texto inverídico. O ex-ministro afirmou não ter assinado o decreto de exoneração de Valeixo, publicado no Diário Oficial da União.

À jornalista Monica Bergamo, da Folha de S.Paulo, alguns ministros do STF afirmam enxergar vários crimes que podem ter sido cometidos por Bolsonaro. Um dos crimes seria o de falsidade ideológica, ao dizer que demitiu o diretor-geral da PF a pedidos, o que não é verdade, de acordo com o ex-ministro.

Bolsonaro pode ser enquadrado no artigo 299 do Código Penal, que prevê como crime “omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante”.

Ainda de acordo com o texto da Folha, os magistrados do STF afirmam que, caso se confirme, Bolsonaro cometeu o crime de advocacia administrativa, ao pedir relatórios da Polícia Federal, que não atua sob supervisão do Executivo. Com isso, teria ferido o artigo 321 do Código Penal, que prevê até três meses de prisão para quem “patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário”.