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Moro confirma demissão e deixa governo que ajudou a eleger e blindar

Em anúncio de saída, ministro desmente que exoneração do diretor da PF foi a pedido, denuncia ingerência explícita de Bolsonaro e admite que Lula e Dilma garantiram autonomia da PF

Carolina Antunes/PR
Carolina Antunes/PR
A dobradinha entre Moro e Bolsonaro começou com a prisão de Lula, que assegurou a eleição do ex-capitão. E terminou com a ingerência excessiva de Bolsonaro na pasta do ministro

São Paulo – Sergio Moro pediu demissão e não é mais ministro da Justiça do governo de Jair Bolsonaro. A decisão foi anunciada horas depois de o presidente exonerar o diretor-geral da Polícia Federal (PF), Maurício Valeixo, na madrugada desta sexta-feira (24). O agora ex-ministro iniciou o pronunciamento pouco depois das 11h, com crítica indireta a Bolsonaro, por criar e manter uma crise política quando deveria lidar com o combate à pandemia do coronavírus, e lamentando ter de tomar decisão dessa grandeza “num momento como esse”. “Está morrendo um avião por dia”, disse, comparando o número diário de óbitos com o potencial das tragédias aéreas.

Em seu pronunciamento, Moro admitiu preocupação em “preservar minha biografia” e foi categórico na denúncia de ingerência política e da falta de “condições de trabalho” para conduzir o ministério. Esboçou um ar de lamento por ter “abandonado 22 anos de magistratura”, em troca de um compromisso de que teria autonomia para trabalhar, mas que sabia dos riscos.

Para compensar esses riscos, Moro admitiu ter aceitado deixar a carreira mediante um “pedido de pensão” como magistrado. O governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), que ingressou na magistratura junto com Moro, expressou espanto em seu Twitter: “Algo nunca antes visto na história. E tal condição foi aceita?”.

“O depoimento de Moro sobre aparelhamento político da Polícia Federal como base para o ato de exoneração do delegado Valeixo constitui forte prova em um processo de impeachment”, afirma ainda Flávio Dino.

Quanto ao futuro, Moro disse que vai “começar a empacotar suas coisas”, dizendo que não poderia prosseguir no cargo sem preservar a autonomia da Polícia Federal ou concordância com uma interferência política na Polícia Federal, “com resultados imprevisíveis”.

Moro deixa a pasta com poucas glórias a relatar. O Ministério da Justiça atravessou toda a sua gestão sem descobrir quem mandou matar a vereadora carioca Marielle Franco. Também continua no ar a pergunta sobre onde está Fabrício Queiroz, o que aconteceu no “laranjal” do PSL (pelo qual se elegeram Bolsonaro e seus filhos) e como ficam os crimes de responsabilidade cometido pelo presidente contra as instituições da República e contra a saúde coletiva em meio à pandemia da covid-19.

Governos do PT

Moro afirmou que sua demissão decorre do fato de não encontrar no atual governo a mesma garantia de autonomia que encontrou nos governos Lula e Dilma, que ajudou a derrubar. Lembrou de sua trajetória como juiz, dizendo ter atuado em “diversos casos criminais relevantes” e citou a Lava Jato, revelando “preocupação constante da interferência do Executivo nas investigações” daquela operação, que foi usada para tirar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva da disputa eleitoral de 2018, abrindo caminho para a vitória de Bolsonaro.

“O governo da época tinha inúmeros defeitos, crimes gigantescos de corrupção, mas foi fundamental a manutenção da autonomia da PF, seja de bom grado ou por pressão da sociedade”, disse, reconhecendo que o governo Dilma não promoveu qualquer interferências nas investigações relativas à Lava Jato. Moro tentou acenar para o público bolsonarista ao afirmar que o diretor-geral da PF demitido por Bolsonaro foi o responsável pela manutenção da prisão de Lula.

Ao longo de seu pronunciamento, o ex-juiz e ex-ministro listou projetos apresentados em sua gestão e enfatizou diversas interferências de Bolsonaro em nomeações de cargo de suas confiança – com objetivo de ter acesso a informações sigilosas.

Por que trocar?

Em seu perfil no Twitter, Bolsonaro postou a imagem de um trecho do Diário Oficial da União tratando da exoneração de Maurício Valeixo, destacando em letras maiúsculas na postagem que cabe ao presidente da República a nomeação do diretor-geral da Polícia Federal.

“Eu não indico superintendente da Polícia Federal. Só indiquei o Maurício Valeixo, não é meu papel fazer indicações de superintendentes”, reagiu Moro. O ex-juiz afirmou que, na tentativa de substituição de Valeixo, houve uma violação da “carta branca” dada a ele por Bolsonaro, e não haveria uma causa para isso, o que configuraria uma “interferência política” no trabalho da PF. “O grande problema é: por que trocar?”

O ex-ministro disse ter reclamado a Bolsonaro que seria uma interferência política e o presidente falou que “seria mesmo”.

“Eu sempre disse que não tinha problema, mas eu preciso de uma causa, relacionada a desempenho, erro grave. O que sempre vi foi um trabalho bem feito”, insistiu Moro. “O problema, e o presidente me falou expressamente, não era apenas a troca do diretor-geral, mas de outros superintendentes também, sem que me apresentasse uma justificativa aceitável para essas mudanças”, disse.