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Bolsonaro demite diretor da Polícia Federal indicado por Sergio Moro

Demissão do diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Leite Valeixo, expõe ruptura entre Bolsonaro e Moro, que tem planos políticos e permanência como ministro prejudicados

Rodrigo Felix Leal/ANPr
Rodrigo Felix Leal/ANPr
Demissão de diretor-geral da PF torna casamento político entre Moro e Bolsonaro uma fratura exposta

São Paulo – A demissão do diretor-geral da Polícia Federal (PF), Maurício Leite Valeixo, foi desenhada, apagada e desenhada de novo nos últimos dias. É o típico modo vaivém de Jair Bolsonaro, que esboça uma crise com Sergio Moro desde o ano passado. Ontem o impasse se tornou público e a ruptura entre o presidente da República se tornou fratura exposta. A exoneração acabou se concretizando na madrugada e publicada do Diário Oficial da União desta sexta-feira (24), com data de 23. Saiu como “a pedido” de Valeixo. Moro irá se pronunciar logo mais às 11h.

Bolsonaro desenvolve um conexão direta com seus seguidores por meio das redes sociais. Quando lhe faltam convicções, lança um balão de ensaio, testa a repercussão e depois dá o passo seguinte. Ou um passo atrás. Foi assim com o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta.

Com Sergio Moro o vai-não-vai é mais antigo. E mais complexo.

O presidente da República tem nas costas um processo de investigação relacionado à fraude eleitoral pelo uso indevido de dinheiro empresarial e do disparo ilegal em massa de fake news em redes. E tem em casa três filhos envolvidos em condutas que não combinam com defensores da moral e dos bons costumes. Da suspeita de contratação de assessores para desviar-lhes os salários – a chamada rachadinha – a de articulação de um gabinete do ódio, fábrica de fake news que movem o modo bolsonarista de fazer política.

Fardo

Sergio Moro tem seu cálculo político prejudicado. Não conseguiu manter as aparências do casamento político até a próxima nomeação para o Supremo Tribunal Federal. Ou se demite e abre mão de uma caneta que proporciona poderes em torno de uma vasta estrutura ministerial. Ou se arrasta por mais um tempo, um tanto mais desmoralizado e desgastado – depois de se associar ao que tem de pior na política para avançar algumas casas no jogo do poder.

A demissão de Maurício Leite Valeixo se concretizou sem que houvesse ainda um substituto a ser apresentado.

É possível que a união já tenha proporcionado capital político o bastante para ambos. Para Bolsonaro, rendeu a eleição para a presidência da República, quando Moro tirou Lula da eleição por meio de uma condenação à prisão sem crime e sem provas.

Para Moro, um salto da condição de juiz de primeira instância para o comando da cadeia da estrutura de Justiça do poder Executivo. O próximo passo, a trajetória na mais alta corte do Judiciário, o Supremo Tribunal Federal, ainda estaria por começar.

A indicação de Sergio Moro para ministro do STF, no lugar do decano Celso de Mello – que faz 75 anos em 1º de novembro e será aposentado –, já não está mais garantida. Tampouco está descartada. Afinal, pouco se sabe dos termos do processo de divórcio entre o presidente e seu quase-ex-ministro da Justiça.

Fica difícil para Sergio Moro permanecer. O ex-juiz já vinha sendo condescendente com seu chefe há muito tempo. Mesmo para um juiz desprovido da imparcialidade que cabe a um magistrado, não pega bem se omitir ante tantas agressões à Constituição da República. Mesmo que venha do próprio presidente.

Cálculo

A crise do laranjal do PSL deixou Moro nu. Ou quase, já que os principais meios de comunicação do país – assim como fizeram com tudo que foi revelado pelo escândalo da Vaza Jato – o protegem com carinho.

No ano passado, Bolosonaro chegou a escancarar que Moro lhe havia vazado informações sobre as investigações do Laranjal. Moro ficou também exposto ao interferir na perseguição aos supostos hackers que revelaram as conversar da turma da Lava Jato ao The Intercept Brasil.

De lá para cá, violações se acumulam. De suspeitas nem se fala. As mortes do ex-capitão da tropa de elite do Rio de Janeiro, Adriano das Nóbrega, e do ex-presidente do PSL, Gustavo Bebianno, surpreenderam o país. O primeiro, chefe de milícia e implicado no assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes. O segundo, um arquivo não mais vivo das falcatruas envolvendo o partido pelo qual se elegeram Bolsonaro e seus filhos.

Nas últimas semanas, Jair Bolsonaro passou a agredir sucessivamente as instituições e a lei. A conduta que tornaria difícil a vida de qualquer ministro da Justiça com um alguma dose de pudor a preservar.

As agressões de Bolsonaro à Constituição ao Estado de direito e à segurança sanitária da população começaram se acentuaram com a chegada da pandemia do coronavírus ao Brasil. O presidente da República chegou a convocar manifestações em sua defesa, contra o STF e o Congresso. E Moro se calou.

“O ministro fica em silêncio. Eu espero que seja o cacoete de alguém que ocupou um banco no Judiciário, porque juiz não pode falar, muito embora quando ele era juiz, ele falasse. Agora que é ministro e tem de falar, não fala, parece que gosta do lado oposto”, ironizou em entrevista à Rádio Brasil Atual o advogado criminal José Carlos Abissamra Filho, pela falta de atitude de Moro na defesa da Constituição.

Com a formação de um bloco militar no centro de seu governo, o distanciamento de seu ministro da Economia, Paulo Guedes, e agora de seu ministro da Justiça, Bolsonaro vai fazendo suas apostas numa via autoritária. Moro e Guedes seriam dois principais pilares da sustentação do governo junto à mídia comercial. Esta, ora bate nas bizarrices da família Bolsonaro aqui, ora assopra para proteger o projeto neoliberal em nome do qual se desencadearam os golpes que derrubaram governos, mancharam eleições e permitiu-se a expansão do fascismo no Brasil.

A um ponto de o bolsonarismo acreditar que pode dispensar o capital, Guedes, Moro e a blindagem da mídia para se sustentar. A conferir.


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