SEM TRANSPARÊNCIA

MP de Bolsonaro que restringe Lei de Acesso à Informação é criticada por especialistas

Presidente também determinou que os pedidos de informação não terão direito a recursos, caso sejam negados

Isac Nóbrega/PR
Isac Nóbrega/PR
'Só irá proteger as ações desastrosas que ainda vai tomar. Eles nunca quiseram a transparência, pois nunca foram democráticos", diz Sérgio Amadeu

São Paulo – O presidente Jair Bolsonaro suspendeu todos os prazos de resposta a pedidos feitos via Lei de Acesso à Informação (LAI) na noite desta segunda-feira (23), com a publicação da Medida Provisória (MP) 928. A iniciativa é criticada por especialistas, considerada “perigosa” e “antidemocrática”.

Segundo a LAI, o governo deve responder os questionamentos enviados por qualquer cidadão em até 20 dias. Com a MP, o prazo fica suspenso e serão atendidos prioritariamente os pedidos relacionados às medidas de enfrentamento da pandemia.

Bolsonaro também determinou que os pedidos não terão direito a recursos. Anteriormente, os solicitantes que tinham suas requisições negadas tinham direito a recorrer em até duas instâncias.

O sociólogo Sergio Amadeu, defensor e divulgador do software livre e da inclusão digital no Brasil, afirma que o governo Bolsonaro se mostra inepto para lidar com a crise sanitária, humanitária e econômica. Segundo ele, ao reduzir a possibilidade de a sociedade acompanhar as ações, o Estado deixa a população fragilizada.

“É extremamente grave e perigoso, pois deixa a população sem a possibilidade de reação, já que não saberemos as informações e ações tomadas pelo governo. É algo autoritário. A pressão de ontem (23) contra a MP 927 foi feita por que todos sabiam o que estava sendo feito”, criticou o sociólogo à RBA.

Críticas

Especialista em transparência e um dos responsável pelo projeto da LAI, Fabiano Angélico lamentou a medida tomada pelo governo. “Inconstitucional, ilegal, desnecessário. Já existem mecanismos na própria LAI e no Decreto 7724 (que a regulamenta no Executivo Federal) que podem ser usados para negar pedidos desproporcionais e desarrazoados. Agora, é hora de construir confiança, não fomentar desconfianças”, afirmou, em postagem no Twitter.

A MP do governo federal também atinge o jornalismo. O diretor da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) Luiz Fernando Toledo afirma que a suspensão deixa mais dúvidas do que respostas. Recentemente, ele havia solicitado o resultado dos exames de Bolsonaro para coronavírus, mas não teve resposta.

“O maior benefício da transparência passiva é pressionar o governo federal a responder aquilo que ele não quer. É o maior ganho da sociedade na última década. Em meio à maior crise humanitária do mundo dos últimos anos, parece absurdo perdê-lo”, apontou.

Amadeu acrescenta que Bolsonaro deixa de atender o interesse público com suas medidas. “Só irá proteger as ações desastrosas que ainda vai tomar. Vão alocar dinheiro em grupos econômicos e não saberemos. Eles nunca quiseram a transparência, pois nunca foram democrático”, acrescenta.

Deputados de oposição ao governo prometem tomar medidas para barrar a MP, que perde a validade se não for aprovado pelo Congresso Nacional em até 120 dias. “Mais uma vez vamos derrotá-lo e derrubar esse absurdo”, publicou o deputado federal Marcelo Freixo (Psol-RJ) no Twitter.

“Sorrateiro e na calada da noite, Bolsonaro usa MP do coronavírus e restringe transparência, suspendendo prazos da Lei de Acesso à Informação. Justamente quando várias medidas estão sendo tomadas e compras feitas pra conter epidemia. O que Bolsonaro quer esconder?“, questionou a deputada federal pelo Paraná e presidenta do PT, Gleisi Hoffmann.

Ataques recorrente à LAI

O governo Bolsonaro já havia feito um ataque à Lei de Acesso à Informação em janeiro do ano passado, quando o então presidente em exercício, general Hamilton Mourão, modificou a norma, permitindo que servidores públicos comissionados decretassem sigilo por 25 anos de informações públicas. Esta prerrogativa cabia somente a presidente, vice, ministros, comandantes das Forças Armadas e chefes em missões diplomáticas. No Congresso Nacional, o decreto foi derrubado.

Segundo um levantamento inédito da Agência Pública, durante o primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro aumentaram as negativas do governo federal realizada a pedidos de informação feitos por cidadãos. Só no ano passado, foram 45 deles negados – mais de cinco vezes o total de negativas em 2018, durante a gestão de Michel Temer.

Revogações

Ainda na MP 928, o presidente revogou o artigo 18 da MP anterior, que tratava das possibilidades de ajustes nos contratos de trabalho durante o período de vigência do estado de calamidade pública. Anteriormente, Bolsonaro autorizava a suspensão de contratos por até quatro meses, sem salário.

Entretanto, outros problemas que estavam na MP 927, também criticados por especialistas, permanecem, como a suspensão da fiscalização em saúde e segurança do trabalho.


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