Contra os pobres

Conectas e Oxfam: MP joga crise no trabalhador e ignora proteção do trabalho e da renda

“É inacreditável que, enquanto nega a gravidade da pandemia e promove confusão na opinião pública, o presidente Jair Bolsonaro imponha medidas que abandonam os trabalhadores à própria sorte”, afirmam entidades

Michel Jesus/Câmara dos Deputados
Michel Jesus/Câmara dos Deputados
Medida provisória está na Câmara, que ontem realizou sessão virtual

São Paulo – Embora o governo, pressionado, tenha retirado o artigo que permitia suspender contratos e salários, a Medida Provisória (MP) 927 continua “colocando sobre as pessoas o peso do aprofundamento da crise”, afirmam a Conectas Direitos Humanos e a Oxfam Brasil, em nota conjunta. Para as entidades, a MP está “na contramão de medidas de proteção de trabalho e renda adotadas por países como França, Itália, Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos”. Privilegiar a “ponta da pirâmide”, dizem, terá efeitos perversos sobre a economia.

Ao tentar “aliviar” o setor empresarial do impacto econômico causado pela crise do coronavírus, o governo torna ainda mais vulneráveis os trabalhadores, criticam Conectas e Oxfam. “É inacreditável que, enquanto nega a gravidade da pandemia e promove confusão na opinião pública, o presidente Jair Bolsonaro imponha medidas que abandonam os trabalhadores à própria sorte enquanto protege de forma veemente o empresariado e os mais ricos. Por isso é necessário que, mais uma vez, o Congresso reaja ao texto.”

Mesmo com o artigo suprimido, outros pontos da MP 927 prejudicam os trabalhadores, dizem as organizações, lembrando da possibilidade de redução de até 25% do salário sem redução da jornada. Além disso, a medida privilegia o acordo individual sobre a negociação coletiva “e sobre a própria lei”.

Contaminação

“Para as empresas que manterão suas atividades, o texto estabelece uma ‘excludente de ilicitude trabalhista'”, lembram as entidades, citando o artigo 29. Com isso, o empregador fica isento de responder por acidente de trabalho em caso de contaminação pelo covid-19, “exceto mediante comprovação do nexo causal pelo próprio trabalhador”.

Também não há necessidade de exame demissional se o último exame periódico tiver sido realizado há menos de seis meses. Ou seja, afirma, “caso o último exame periódico tenha sido realizado antes do início da pandemia, o empregador estará liberado de se responsabilizar por eventuais condições de saúde” relacionadas ao coronavírus.

Oxfam e Conectas chama a atenção para os possíveis efeitos perversos sobre a economia e o consumo com essa tentativa de impor arrocho salaria. Isso acontece “justamente no momento em que o mundo já começa a discutir a necessidade de um ‘novo plano Marshall’ para se recuperar da crise”. As entidades fazem menção a um plano de recuperação elaborado nos Estados Unidos para países economicamente devastados após a 2ª Guerra Mundial.

A MP 927 está na Câmara dos Deputados, que ontem (25) à noite realizou uma sessão virtual, pelo chamado sistema de deliberação remota. O plenária aprovou o Projeto de Lei 696/20, que libera o uso de telemedicina em caráter emergencial.

Confira a íntegra do documento Conectas/Oxfam:

NOTA CONJUNTA

25 de março de 2020

Em momento de maior fragilidade nacional, são preocupantes as medidas que vêm sendo tomadas pelo governo federal como forma de mitigar os impactos econômicos da pandemia do COVID-19.

A Medida Provisória 927 (MP-927), editada em 22 de março, pelo governo federal, tem como objetivo aliviar o setor empresarial do impacto na economia em decorrência da pandemia de COVID-19. Embora o ponto que causou mais polêmica e debate na sociedade (suspensão de contratos e salários por até 4 meses) tenha sido revogado na MP-928, no dia seguinte, foram sustentadas na MP-927 outros pontos que deixam ainda mais vulneráveis os trabalhadores e trabalhadoras no Brasil, flexibilizando direitos trabalhistas e colocando sobre as pessoas o peso do aprofundamento da crise em decorrência da pandemia do COVID-19, na contramão de medidas de proteção de trabalho e renda adotadas por países como França, Itália, Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos.

Ao vincular o art. 1 ao art 501 da CLT, a MP-927 permite a redução de até 25% do salário sem redução de jornada, considerando que este determina que a situação causada pela pandemia constitui hipótese de força maior. Associado ao art. 503 da CLT, fica permitida a redução salarial.

Privilegiando o acordo individual sobre a negociação coletiva e sobre a própria lei, a medida provisória estabelece ainda que empregador e empregado poderão negociar férias antecipadas, mas que o pagamento das férias poderá ser efetuado até o quinto dia útil do mês subsequente (arts. 6 ao 10) — pela regra atual, o pagamento deve ser feito dois dias antes do início do gozo das férias. Já o pagamento do 1/3 constitucional de férias poderá ser pago apenas ao fim do ano no caso de férias antecipadas.

A MP ainda autoriza a utilização do banco de horas (art.14), fazendo que trabalhadoras e trabalhadores compensem esse período de interrupção posteriormente com jornadas de trabalho que poderão chegar a dez horas por dia na retomada das atividades.

Para as empresas que manterão suas atividades, o texto estabelece uma “excludente de ilicitude trabalhista” (art.29), isentando de antemão o empregador de responder por acidente de trabalho em casos de contaminações de seus funcionários pelo COVID-19, exceto mediante comprovação do nexo causal pelo próprio trabalhador. Ainda, exclui a necessidade da realização de exame demissional caso o último exame periódico tenha sido realizado há menos de 6 meses (art. 15 § 3º), ou seja, caso o último exame periódico tenha sido realizado antes do início da pandemia, o empregador estará liberado de se responsabilizar por eventuais condições de saúde associadas à ela.

É inacreditável que, enquanto nega a gravidade da pandemia e promove confusão na opinião pública, o presidente Jair Bolsonaro imponha medidas que abandonam os trabalhadores à própria sorte enquanto protege de forma veemente o empresariado e os mais ricos. Por isso é necessário que, mais uma vez, o Congresso reaja ao texto.

A opção por políticas públicas que privilegiam a ponta da pirâmide social, em vez da base, terá efeitos perversos sobre a economia e sobre o consumo ao impor arrocho salarial à massa trabalhadora, justamente no momento em que o mundo já começa a discutir a necessidade de um “novo plano Marshall” para se recuperar da crise decorrente da pandemia. Diante da expressão de diferentes formas de solidariedade que vimos experimentando no mundo e no Brasil diante da pandemia, não podemos permitir que o legado desta crise no país seja o aprofundamento da desigualdade social, decorrente de medidas irresponsáveis e excludentes colocadas em prática pelo governo federal.