Coronavírus

Celso Amorim: ‘Vivemos a mais grave crise desde a Segunda Guerra’

Para ex-ministro, no atual contexto, “a declaração descabida de Eduardo Bolsonaro contra a China contraria o interesse do povo brasileiro”

Reprodução/Youtube/TVT
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Celso Luiz Nunes Amorim é um renomado diplomata brasileiro que se destacou por sua longa e influente carreira na diplomacia e na política internacional

São Paulo – “Vivemos a mais grave crise desde a Segunda Guerra Mundial. Ninguém menos que a chanceler da Alemanha (Angela Merkel) reconhece esse fato. A crise é global, não só na sua dimensão de saúde, mas também na dimensão política”, diz o ex-ministro das Relações Exteriores e da Defesa Celso Amorim, sobre o cenário instaurado no mundo com a disseminação do coronavírus.

“Inevitavelmente, a crise vai gerar consequências sociais e políticas que ainda não podemos prever com precisão. Mas é seguro dizer que o mundo não será o mesmo quando a pandemia finalmente for controlada”, acrescenta.

Nesse cenário, “a declaração descabida do deputado Eduardo Bolsonaro contra a China atenta diretamente contra o interesse do povo brasileiro”. Para Amorim, “é absurdo culpabilizar o país que mais sofreu com a doença”.

Até a noite de quinta-feira (19), das 80.298 pessoas infectadas na China, 3.245 morreram pelo coronavírus. Nesta sexta-feira (20), pela primeira vez, o número de mortes na Itália (4.032) ultrapassou o da China.

Na quarta-feira (18), o filho do presidente da República abraçou uma teoria conspiratória e culpou o país asiático pela disseminação do coronavírus. “Substitua a usina nuclear pelo coronavírus e a ditadura soviética pela chinesa. (…) +1 vez uma ditadura preferiu esconder algo grave a expor tendo desgaste, mas que salvaria inúmeras vidas. (…) A culpa é da China e liberdade seria a solução”, disse o parlamentar.

A atitude provocou uma crise diplomática entre os dois países e mobilizou  lideranças para desfazer o mal-estar. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), pediu desculpas aos chineses. O vice-presidente Hamilton Mourão afirmou, à Folha de S. Paulo, que o deputado “não representa o governo” e acrescentou que o problema tomou grandes proporções devido ao sobrenome do parlamentar. “Se o sobrenome dele fosse Eduardo Bananinha, não era problema nenhum”, ironizou.

“Para além dos mercados e dos investimentos, o Brasil certamente precisará ter acesso à cooperação chinesa” – destaca ainda Celso Amorim – “como está ocorrendo na Itália e em outros países europeus, para combater o alastramento da epidemia.”

A China é o maior parceiro comercial do Brasil. Em janeiro e fevereiro, as exportações brasileiras para o país asiático chegaram a US$ 8,16 bilhões, com superávit de US$ 732, 8 milhões.

Na opinião do ex-chanceler brasileiro, no futuro, instituições que já cooperam com a China, como a Fiocruz, poderão se beneficiar dos avanços científicos e tecnológicos para tratamento e eventual imunização da enfermidade causada pelo coronavírus.

“Tudo isso é posto em risco, assim como o valioso acervo de projetos conjuntos em vários setores, do científico e tecnológico à área da defesa, bem como articulações políticas, como no caso dos Brics, que permitiram uma ordem mundial mais equilibrada”, destaca Amorim.

O deputado Marcelo Freixo (Psol-RJ) entrou com uma representação no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, pedindo a cassação do colega Bolsonaro. Segundo Freixo, a atitude de Eduardo “mostra que o clã presidencial está mais preocupado em atiçar um punhado de fanáticos do que em proteger a vida dos brasileiros. Provoca uma crise diplomática no momento em que o Brasil negocia com a China fornecimento de equipamentos para combater o coronavírus”, escreveu no Twitter.

“Vírus mental”

Imediatamente após o ataque do deputado aos chineses, o embaixador da China no Brasil, Yan Wanming, respondeu ao tuíte de Eduardo, exigindo que ele pedisse “desculpa ao povo chinês”, marcando na postagem o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), entre outros.

Fugindo à conhecida polidez chinesa, a própria embaixada do país no Brasil também se manifestou. “Ao voltar de Miami, (Eduardo Bolsonaro) contraiu, infelizmente, vírus mental, que está infectando a amizades entre os nossos povos”, publicou a representação diplomática.

O ministro das Relações Exteriores disse que era “inaceitável que o embaixador da China endosse ou compartilhe postagem ofensiva ao chefe de Estado do Brasil e aos seus eleitores”, mas, como Mourão, destacou que as críticas de Eduardo à China “não refletem a posição do governo brasileiro”.

Já o presidente do Instituto Sociocultural Brasil-China (Ibrachina), Thomas Law, não apenas repudiou o comportamento do filho de Jair Bolsonaro, como insinuou que o deputado é fascista. “O filósofo alemão Theodor Adorno definiu esse tipo de ataque com clareza em 1947 ao afirmar que ‘culpar a vítima é uma das características mais sinistras do caráter fascista’”.


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