Crime de responsabilidade

Bolsonaro é irresponsável com a saúde pública ao estimular atos: ‘Não está à altura do cargo’

Professora de Direito Luciana Boiteux diz que presidente viola lei ao contrariar o próprio ministro da Saúde e acelera risco de contaminação dos mais vulneráveis

José Cruz/EBC
José Cruz/EBC
"É um jogo político num momento difícil de pandemia, em que especialmente as pessoas mais vulneráveis estão correndo risco", critica Luciana Boiteux

São Paulo – Para a professora da Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Luciana Boiteux, o presidente Jair Bolsonaro cometeu neste domingo (15) mais um crime de responsabilidade, violando diversas normas, inclusive recomendações da autoridade sanitária do país, ao estimular e participar de atos contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) em Brasília, em meio à pandemia de coronavírus

“O que é mais grave, para mim, é esse mau exemplo dado pelo presidente, que pode trazer retrocessos importantes nessa campanha correta. O Ministério da Saúde de Bolsonaro está agindo corretamente, mas o nosso presidente, infelizmente, não está à altura do cargo”, contesta a professora, em entrevista nesta segunda-feira (16)  aos jornalistas Marilu Cabañas e Glauco Faria, da Rádio Brasil Atual.

Além de participar do ato contra o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal e de divulgar imagens de manifestações pelo país, Bolsonaro ignorou a ordem de isolamento dada pela sua equipe médica por quem é monitorado desde que voltou de viagem dos Estados Unidos, na semana passada. Ao menos 11 membros da sua comitiva já atestaram positivo para o coronavírus e o presidente deve ser submetido a novo teste de detecção da doença. Só até este domingo, 200 casos foram confirmados pelo Ministério da Saúde, que recomendou que aglomerações fossem evitadas para frear o avanço da doença. 

Bolsonaro, no entanto, contrariou o próprio ministro e chamou de “histeria”, em entrevista à CNN Brasil na noite do domingo, a divulgação do coronavírus. “Quando a gente vê o presidente zombar dessa epidemia e tratar dessa maneira inclusive as recomendações do seu ministro da Saúde, imagina como isso não vai afetar inclusive os profissionais da saúde, que vão ter que lidar com o agravamento das condições dessa epidemia, casos as pessoas resolvam seguir a linha do Jair Bolsonaro”, adverte Luciana.

Parlamentares também condenaram a atitude do presidente. A bancada do Psol anunciou que denunciará à Organização Mundial da Saúde (OMS) a postura de Bolsonaro, pedindo providência pelo tamanho impacto à saúde que isso pode causar. A professora de Direito avalia a denúncia como instrumento importante para constranger o governo no cenário internacional. “Porque se o Bolsonaro não tem vergonha do que ele está fazendo aqui internamente, pelo menos vai ter que assumir essa crítica externa”, avalia. 

Ainda assim, Luciana Boiteux, que aponta violações do presidente por endossar um ato contrário às instituições democráticas e ao artigo 268 do Código Penal, que não permite a nenhuma pessoa violar as recomendações de uma autoridade sanitária, diz que “não há vontade política dos ocupantes atuais do poder e da maioria do parlamento em tomar medidas mais duras contra Bolsonaro”, como o impeachment. De acordo com ela, com o apoio do mercado financeiro, a aposta desses setores é que seja possível “controlar” o presidente. 

“Eu discordo dessa aposta e acho que esse país, com Bolsonaro, vai de mal a pior, e não é nem estar torcendo contra, é uma análise objetiva”, afirma a professora da UFRJ. “Ao mesmo tempo que a gente percebe que não há um interesse político econômico de retirá-lo, ele (Bolsonaro) sabe que está num momento em que precisa se mexer, e talvez isso explique essa ida dele ao protesto, mesmo violando a quarentena. Ou seja, ele quer provocar sua base mais radical para mostrar forçar àqueles que estão pensando de alguma forma confrontá-lo”, analisa.

“É um jogo político em um momento difícil de pandemia, em que especialmente as pessoas mais vulneráveis estão correndo risco, que são os idosos, os presos, as pessoas portadoras de doenças e com a saúde combalida, que estão pagando o pato dessa disputa política também.” 

Momento de defesa do SUS

A professora classifica a atitude de Bolsonaro como um ato de “irresponsabilidade com a saúde pública”, diferente das “constantes irresponsabilidades políticas” que comete, e teme a reação do país diante da epidemia, especialmente em um cenário no qual prevalece o Teto de Gastos, restrição dos direitos sociais e de redução dos direitos trabalhistas, como lembra em entrevista à Rádio Brasil Atual

“Desde (Michel) Temer o que se vê é um aceleramento profundo de medidas contra a população, de retirada de direitos sociais, de redução dos investimentos em saúde e educação. E a gente pode estar ‘pagando o pato’ no futuro e essa instabilidade política do presidente (Bolsonaro) só acelera os mecanismos que vão atingir os mais vulneráveis”, lamenta, reforçando que neste momento é preciso um estado de bem estar social que dê conta do fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS), da saúde pública e da proteção dos profissionais da saúde. 

Ouça a entrevista na íntegra