Congresso Nacional

Sócio-proprietário da Yacows se contradiz na CPMI das fake news

Lindolfo Antônio Alves Neto disse que a empresa não espalhou notícias falsas, mas desconhece conteúdo das mensagens da agência que fez a campanha de Bolsonaro

Reprodução/TV Senado
Reprodução/TV Senado
Lindolfo afirmou que cabe à M4 – que fez a campanha de Bolsonaro – apresentar conteúdo apagado

São Paulo – A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito das Fake News ouviu na tarde de hoje o depoimento de Lindolfo Antônio Alves Neto, sócio-proprietário da empresa Yacows, especializada em marketing digital, que prestou serviços a políticos e campanhas, e foi subcontratada pela produtora AM4, que trabalhou para a campanha do então candidato Jair Bolsonaro (PSL). A comissão volta a se reunir em 3 de março para ouvir os sócios da AM4.

Em seu depoimento, segundo deputados da oposição, Lindolfo se contradisse ao afirmar que sua empresa não divulgava e não divulga noticia falsa, e, por outro lado, dizer que desconhece o conteúdo das mensagens enviadas a partir de sua plataforma, como as mensagens de responsabilidade da AM4.

Ao ser inquirido pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e a deputada Natália Bonavides (PT-RN), o empresário foi questionado sobre se reconhecia fotos de celulares com mensagens, fotografados e exibidos por seu ex-funcionário Hans River do Rio Nascimento na semana passada.

Lindolfo reconheceu as fotos como sendo do “ambiente da empresa”, mas disse desconhecer o conteúdo de mensagens que espalharam fake news contra a campanha de Fernando Haddad, nas imagens de celulares no próprio “ambiente” da empresa. “Ele reconhece o ambiente da empresa (nas fotos), mas não o conteúdo das mensagens. O depoente já deu a sua contribuição à CPMI”, ironizou Randolfe.

Na inquirição feita por Natália, o depoente declarou desconhecer o conteúdo das mensagens, como as enviadas contra a campanha petista. “O sr. disse que sua empresa não divulgava notícia falsa, e agora diz que desconhece o conteúdo das mensagens enviadas.” Lindolfo voltou a responder que desconhece as mensagens. “Então como pode afirmar que sua empresa não foi usada pra divulgar noticias falsas? Conhece o conteúdo ou desconhece?”

A deputada questionou o empresário sobre a lista de 10 mil CPFs apresentada por Hans River. Os CPFs teriam sido usados para cadastro de chips. “Já viu essa lista?”, questionou Natália. “Desconheço”, respondeu Lindolfo. O diálogo prosseguiu:

– Desconhece o quê? – perguntou Natália Bonavides.
– Essa lista.
– O sr. desconhece que os seus empregados faziam cadastro de chips com CPFs que recebiam?
– Isso não era um método operacional da empresa.
– Quem faz a triagem de que nenhuma atividade ilícita é cometida através do seu serviço?
– Não existe atividade ilegal.
– Quem faz a triagem pra garantir isso?
– Os sócios têm responsabilidade nisso, excelência.
– O sr. está dizendo que vocês têm conhecimento do conteúdo das mensagens?
– Não. Você disse da triagem de atividades ilícitas.
– Atividades ilícitas podem ser cometidas através do conteúdo das mensagens. Inclusive é disso que se trata o disparo de fake news. Existe alguém que trata disso na sua empresa, que tenha o cuidado de fazer o controle de que tipo de serviço vocês estão prestando?
– O conteúdo acreditamos que seja de responsabilidade das pessoas que estão contratando – respondeu Lindolfo, em referência à agência AM4.

O empresário disse ainda que, após as denúncias contra a Yacows divulgadas pela imprensa, foi feita análise técnica sobre conteúdo das mensagens. “Chegamos à conclusão de que não foram disparadas fake news.”

A parlamentar quis saber como foi feita a análise do conteúdo de responsabilidade da AM4, se a própria agência afirmou que suas mensagens foram apagadas. “Como foi feita análise desses conteúdos? Fizeram análise dessas mensagens também?”, quis saber Natália. “Não, não conseguimos”, respondeu o sócio-proprietário da Yacows. Ele voltou a dizer que cabe à AM4 apresentar o conteúdo utilizado.

 “Como isso é possível? Alguém apagou e vocês não fizeram nenhum procedimento na empresa pra entender?” O empresário afirmou então que poderia “verificar de fato o que aconteceu” e a deputada prometeu que vai pedir, em requerimento, para que a apuração da empresa sobre o assunto seja compartilhada na CPMI.

Questionado se utilizou o serviço da Yacows, o deputado Rui Falcão (PT-SP) respondeu que sim, “de forma legal, com recibos, cheques” (para efetuar os pagamentos) e que tem tudo documentado e impresso.

Jornalismo

Aliado de Bolsonaro no Congresso, o deputado Carlos Jordy (PSL-RJ) voltou a questionar a jornalista da Folha de S. Paulo Patrícia Campos Mello. Segundo ele, Hans “fez declarações que desagradou (sic) a muitas pessoas com relação à jornalista”. O bolsonarista disse ainda que “a oposição e a própria relatora se anteciparam, fazendo um juízo de valor de tudo isso, como se (Hans River) tivesse cometido falso testemunho”.

“Mas em nenhum daqueles prints, planilhas, que a Patrícia Campos Mello divulgou, nada contradiz o que o sr. Hans River trouxe aqui”, disse. Para Jordy, a reportagem da jornalista que “acusa levianamente a campanha de Jair Bolsonaro de contratar serviços ilegais da Yacows é uma mentira”. O deputado do PSL diz que apresentou requerimento para “convocar” Patrícia Campos Mello para prestar depoimento à CPMI.

“Essa CPMI não pode ser parcial, tem que ser imparcial”, justificou. “Nada do que a jornalista publicou desmentiu o que ele (Hans River) colocou.”

“O deputado está mentindo”, respondeu a deputada Natália. As afirmações de Hans sobre o comportamento da jornalista são a prova de que ele mentiu, segundo ela. A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) entrou com uma notícia-crime no Ministério Público, nesta terça-feira (18), contra Hans River, por falso testemunho.

“Quanto às tentativas de desqualificar uma mulher – disse a relatora Lidice da Mata –, isso eu vou combater, seja em Hans (River do Nascimento), seja do presidente da República, seja em quer que queira ter isso como discurso.”

Ao final da sessão, Lidice respondeu à deputada Bia Kicis (PSL-DF), segundo a qual a CMPI não tem razão de existir. “A CPMI está cumprindo função essencial no país”, declarou a relatora. Ela mencionou o fato de a comissão ter ouvido, em audiências, especialistas em diversas áreas.

Segundo Lidice, os objetivos da CPMI não são apenas investigar os fatos ocorridos nas eleições de 2018, mas também cyberbullying, crimes contra a infância e situações estimuladas por campanhas nas redes sociais, inclusive suicídio e autoflagelação, além do impacto das notícias falsas na saúde pública.

Em março, a CPMI deve ouvir o depoimento do parlamentar britânico Damian Collins, para falar da experiência relativa às fake news no Reino Unido e da influência da Cambridge Analytica na política dos Estados Unidos e da Grã Bretanha.