"Parasitas"

Fala de Guedes mobiliza servidor e desmoraliza reforma

Ministro pediu desculpas por fala ofensiva a funcionários públicos, mas repercussão provocou clima ruim no Congresso em relação à reforma administrativa

Agência Brasil
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“O cara (funcionário público) virou um parasita e o dinheiro não está chegando no povo”, disse o ministro da Economia

São Paulo – O Sindicato dos Servidores Públicos Federais no Distrito Federal (Sindsep-DF) promove, nesta terça-feira (11), a partir das 12h30, um ato em frente ao Ministério da Economia, em Brasília, em repúdio à declaração do ministro Paulo Guedes, que comparou os servidores a “parasitas”. A entidade vai cobrar também a abertura das negociações da campanha salarial unificada  de 2020 dos servidores dos três poderes. No dia 30 de janeiro, o Sindsep-DF e a Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef) enviaram ofício ao ministério solicitando audiência com Guedes. Não houve resposta.

Paulo Guedes afirmou que o governo gasta 90% da receita com salário do funcionalismo. “O cara (funcionário público) virou um parasita e o dinheiro não está chegando no povo”, disse o ministro na sexta-feira (7), no seminário Pacto Federativo, promovido pela Fundação Getúlio Vargas. “O hospedeiro está morrendo, e o cara virou um parasita”, acrescentou.

Politicamente, a fala de Guedes contra os funcionários públicos é desastrosa. Sabendo disso, nesta segunda-feira (10), ele pediu desculpas. “Eu me expressei muito mal, e peço desculpas não só a meus queridos familiares e amigos, mas a todos os exemplares funcionários públicos a quem descuidadamente eu possa ter ofendido.”

Mas o pedido de desculpas parece ter sido inútil. O texto da reforma administrativa seria apresentado ao parlamento nos próximos dias, mas, com o clima criado pela fala do ministro, segundo o portal Uol, o governo não deverá mais enviá-lo imediatamente e “não há uma nova data definida” para isso.

Na quarta-feira (12) os servidores participam de seminário convocado pela Frente Parlamentar Mista do Serviço Público, no auditório Nereu Ramos, na Câmara dos Deputados, a partir das 8h. O presidente da frente, deputado Professor Israel (PV-DF), afirmou que o colegiado deve convocar Guedes para ele explicar sua fala “extremamente preconceituosa”. “Foi uma declaração muito ofensiva, que não contribui com o diálogo”, disse Israel.

“Nós não vamos rebaixar o debate de questão tão importante para a administração pública, que é a questão dos servidores, a qualificação do serviço público”, afirma Sérgio Ronaldo da Silva, secretário-geral da Condsef. “Já fomos tratados como ‘marajás’ (pelo ex-presidente Fernando Collor), mas, como não pegou, agora vêm com essa nova agressão dizendo que somos parasitas.”

Silva acrescenta que “é lamentável um ministro de Estado dizer que a cada R$ 100, R$ 90 são gastos com funcionalismo. Não tem conexão com a realidade. Não vamos entrar nessa briga de rua para a qual o ministro quer nos chamar”. No orçamento do ano passado, até dezembro de 2019, foram gastos R$ 326 bilhões com despesa de pessoal.

Segundo a Lei de Responsabilidade Fiscal, na esfera federal, o limite máximo para gastos com pessoal é de 50% da receita líquida. “Podia chegar a até 50%, conforme a lei, mas em 2019 ficou em 39,47%. Ainda poderia ter 10% a mais para incremento de despesa com pessoal, para concurso público, qualificação e capacitação”, explica o dirigente.

Na sua opinião, a posição do ministro da Economia, ao “jogar número falso para a sociedade”, é mais uma justificativa para a reforma administrativa. “De nossa parte, existe disposição de dialogar, mas com a verdade em cima da mesa, não com mentiras e esse tipo de procedimento do ministro, assustando e jogando a sociedade contra o conjunto do funcionalismo.”

Para o secretário-geral do Sindsep-DF, Oton Pereira Neves, o ministro da Economia “trabalha para satisfazer as necessidades do mercado financeiro internacional, o verdadeiro parasita do orçamento público”. Em sua opinião, o discurso do ministro faz parte do contexto de uma campanha difamatória do governo contra o funcionalismo público.

“Quem é parasita? O cara que vive de investimentos e dá rombo em fundos de pensões, ou o trabalhador do setor público, como o enfermeiro, o professor, o gari ou o policial, e tantos outros profissionais que atuam para a qualidade dos serviços públicos?”, questiona Neves.

Em nota de protesto à fala do ministro, o Sindicato dos Trabalhadores na Administração Pública e Autarquias no Município de São Paulo (Sindsep) lembrou que Paulo Guedes “é o mesmo que esteve há 30 anos no Chile e aplicou uma reforma da Previdência que hoje leva milhões às ruas exigindo o restabelecimento da previdência pública e solidária”.

No sábado, nas comemorações dos 40 anos do PT, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad comentou a fala de Guedes. “Um cara que vem do mercado financeiro, que só lucrou em cima de especulação a vida inteira, nunca pregou um parafuso, vai chamar alguém de parasita? Parasita é ele”, afirmou.