contradições

Discurso moralista encobre disputas de poder no governo Bolsonaro, segundo advogado

Segundo José Carlos Portella Junior, o único consenso entre militares, olavistas, lavajatistas, liberais e radicais da extrema-direita é o projeto autoritário de poder

Alan Santos/PR
Alan Santos/PR
Outros ministros também fizeram uso de voos da FAB, como Santini, sem despertar a mesma indignação de Bolsonaro

São Paulo – A novela da demissão, readmissão e nova exoneração nesta quinta-feira (31) do até então nº 2 da Casa Civil, Vicente Santini, afastado por ter utilizado aviões da FAB para ir a Suíça e Índia, foi tratada pelo presidente Jair Bolsonaro como uma questão moral. Ele considerou a prática “inadmissível”, mas levantamento do jornal O Globo, a partir de registros da própria FAB, mostra que 14 ministros e mais três autoridades das próprias Forças Armadas realizaram 72 voos nacionais e 8 internacionais no ano passado, nos quais havia até três passageiros a bordo.

Para o advogado criminalista José Carlos Portella Junior, professor de processo penal na UniCuritiba, o discurso moralista, na verdade, serve para encobrir as disputas internas do governo. “O discurso de combate à corrupção é fajuto, pois vários integrantes do governo, como o próprio ministro Onix Lorenzoni, tem processos de corrupção e continuam nas franjas do poder sem serem incomodados. São várias frações disputando o poder. Esses indivíduos têm apoio de um setor, e acabam sofrendo ataque de outros”, afirmou ao jornalista Glauco Faria, para o Jornal Brasil Atual, nesta sexta-feira (31).

Nessas disputas, em vez de embate direto, Bolsonaro vai minando seus principais auxiliares ou tentando esvaziar as suas prerrogativas, como foi o caso da retirada do Programa de Programa de Parcerias e Investimos, movido da Casa Civil para Ministério da Economia. É o que também explicaria o pedido de demissão do secretário de Educação Superior do Ministério da Educação, Arnaldo Barbosa, que denota o enfraquecimento do próprio ministro, Abraham Weintraub, devido ao caos produzido no Enem.

Segundo Portella, a única coisa que unifica as diversas facções do governo, que incluem militares, olavistas, lavajatistas, liberais e radicais da extrema-direita é o projeto autoritário de poder. “Só existe uma coesão evidente, em torno de uma única ideia, que é a implementação de um Estado autoritário no Brasil. Mas não estão de acordo sobre quem vai conduzir esse projeto.”

Os choques envolvendo Bolsonaro e o seu ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, também se enquadram nessa mesma lógica. Para Portela, nem mesmo a eventual nomeação para o Supremo Tribunal Federal (STF) comove mais o ex-juiz, que estaria mesmo interessado em disputar a cadeira presidencial. “O presidente já percebeu, mas não pode atacá-lo de maneira direta, porque sabe que boa parte da sua própria base vem do lavajatismo. Ele tenta minar Moro sub-repticiamente, por debaixo dos panos. Uma saída seria conduzir Moro ao STF.”

“Caminho natural”

Encobrindo suas reais pretensões, Moro tem afirmado que a cadeira na Corte Suprema seria um “caminho natural” na sua carreira. Segundo Portela, a posição é reveladora da vaidade do ministro, já que em nada seria natural um ex-juiz de primeira instância ser alçado ao STF. “A autoestima dele só se equipara ao seu autoritarismo. É preciso uma história pública que denote lisura e comprometimento com os valores republicanos e democráticos. É também uma afronta à própria hierarquia do Judiciário.”

Lawfare

Para o advogado, a ação do Ministério Público Federal de São Paulo (MPF-SP) contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, denunciados pela ocupação do tríplex do Guarujá, cuja propriedade é atribuída ao próprio Lula pela Lava Jato, revela mais um episódio de lawfare”, quando ferramentas jurídicas são utilizadas como arma política.

“Para esses que pretendem um projeto autoritário para o Brasil, é preciso manter acesa a perseguição incessante às principais lideranças progressistas do Brasil e a criminalização dos movimentos sociais. Para isso, destroem as garantias institucionais em nome da destruição dos seus inimigos. Quando as pessoas que gerenciam os negócios públicos perdem a vergonha, empenhados em destruir a democracia e atacar o povo, o que mais se pode esperar? O que deveríamos fazer, como povo, é nos levantar, urgentemente”, afirmou Portella.

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