Guerra contra o Brasil

‘Se houve uma quadrilha nesse país é a da Lava Jato’, afirma Lula em lançamento de livro sobre lawfare

Em lançamento de "Lawfare: uma introdução", caso Lula serviu de exemplo de como o Direito pode ser usado como arma de guerra contra adversários, com o apoio da imprensa

Marcelo Chello/Folhapress
Marcelo Chello/Folhapress
Lula espera que seu processo seja motivação para que o livro Lawfare possa ser incluído nos debates de todas as faculdades de Direito no país. “Quero o restabelecimento da verdade nesse país.”

São Paulo – No segundo lançamento de livro em dois dias, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva abusou da voz e não deu trégua aos adversários. Desde que foi solto há pouco mais de um mês, da prisão política em que esteve mantido em Curitiba por 580 dias, Lula já participou de atos, entrevistas e sempre faz questão de deixar claro que não vai sossegar enquanto não tiver reconhecida sua inocência.

A falta de provas nos processos conduzidos pela Lava Jato contra o presidente da República mais bem avaliado da história do Brasil inspirou o livro lançado nessa quarta-feira (11), na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), no Largo São Francisco, região central. Escrito pelos advogados de Lula Cristiano Zanin Martins, Valeska Teixeira Zanin Martins e pelo professor Rafael Valim, Lawfare: uma introdução, relata os riscos da prática que fere os preceitos jurídicos e democráticos no Brasil e em outros países.

Cristiano Zanin fez um paralelo entre o lawfare e a guerra. “A escolha da arma, nesse caso, é a escolha da lei”, disse. “Faz-se uma campanha para justificar essa determinada guerra, com uma motivação suposta para fazer deturpação do direito. Claramente um fenômeno que se equipara a guerras convencionais, mas no lawfare não se consegue visualizar a arma. É uma guerra sútil.”

Não querem vencer, querem destruir

O ex-chanceler Celso Amorim lembrou de capa da revista The Economist, de 2010, que trazia o mapa do continente americano de cabeça para baixo, destacando a ascensão da América Latina: não é mais o quintal de ninguém. “No momento em que isso acontece, eles resolveram agir para restabelecer a dominação e utilizaram os mecanismos como o do lawfare, se valendo do apoio, da passividade e muitas vezes da agressividade da mídia contra as lideranças progressistas.”

O ex-primeiro ministro de Portugal José Sócrates reforçou a parceria entre o submundo do jornalismo e da Justiça por trás da guerra do lawfare. “Escondidos e usando de vazamento. Um poder que está a minar a democracia, o jornalismo e a justiça”, avaliou. “As faculdades de direito vão ter de estudar esse fenômeno, queiram ou não queiram. Sem justiça não há democracia.”

Para Sócrates, esse vazamento tem interesse particular no comércio. “O jornalismo quer audiência, o membro da Justiça quer uma biografia para ter outras aspirações. É uma aliança espúria e danosa para a democracia”, afirmou, em mais uma descrição que encontra total respaldo na realidade brasileira. O lawfare, do qual Sócrates afirma também ter sido vítima, é o uso estratégico do direito, da lei como instrumento de guerra. “Uma guerra especial que tem uma natureza diferente, dirigida ao inimigo político. Não visa vencer, mas destruir.”

E novamente numa relação direta ao Brasil pelo qual disse ser apaixonado, o português lembrou que essa guerra é alimentada por meio de ideologia, por um sistema de crenças, certezas. “Sabem até que a terra não é redonda. Essa guerra não existiria sem as ideologias e o outro elemento, que é o ódio. Um ódio existencial, porque tu me forcaste a odiar. E para eu resolver o problema com meu ódio, para voltar a ser feliz você tem de desaparecer.”

Sócrates lembrou da imagem de Leonardo Boff, sentado em frente à Polícia Federal, onde tinha ido para dar apoio espiritual ao amigo Lula. “E a juíza disse não. Fui ver a cara da Gabriela Hardt e me ocorreu: como é possível que corações tão jovens tenham tanto ódio. Grande parte desse ódio vem da incapacidade de lidar com a ideia de igualdade.”

Lawfare se alimenta de ódio

Lula fez uma retrospectiva lembrando a vitória de Dilma Rousseff na eleição de 2014 e o ódio disseminado desde então. “Nesse país houve um acordo tácito entre a imprensa brasileira e a Lava Jato. Essa imprensa e o coordenador da Lava Jato, que era o Moro”, disse, elencando os veículos comerciais de comunicação visitados pelo ex-juiz e atual ministro da Justiça de Jair Bolsonaro. “Com eles constituiu um acordo que só era possível prender político, prender adversário ou prender gente rica se a imprensa ajudasse. E qual era a ajuda da imprensa? Era tornar junto à opinião pública verdadeiras as mentiras que a Polícia Federal e o Ministério Público, através da Lava Jato, e o juiz contavam.”

Lula lembrou da ação do “quadrilhão”, extinta na semana passada pela 12ª Vara Federal de Brasília. Quando da acusação, em 2015, o presidente lembrou que o Jornal Nacional noticiou 12 minutos e 30 segundo sobre o caso. Agora, quando os petistas foram inocentados, foram apenas 52 segundos. “E se houve uma quadrilha nesse país, ela chama Lava Jato. E a prova disso está na tentativa de extorquir R$ 2,5 milhões para um fundo do Dallagnol.”

Lula afirmou esperar que seu processo seja motivação para que o livro Lawfare possa ser incluído nos debates de todas as faculdades de Direito no país. “E fazer com que as pessoas saibam que é possível acreditar na Justiça brasileira”, afirmou, revelando que nunca imaginou que ele e o PT passariam pelo que passaram. “Além do sucesso que eu quero que vocês façam com esse livro, eu quero sucesso da minha defesa”, disse, arrancando aplausos do público. “Quero o restabelecimento da verdade nesse país.”

Ele chamou de barbárie jurídica a condenação sem provas. “Eu quero levar essa luta até o fim. Não sou daqueles que planta jabuticaba esperando eu chupar jabuticaba. Eu quero plantar um pé de jabuticaba mesmo que eu não vá chupar. Eu quero que é deixar pros meus netos e bisnetos. E quero que tenham orgulho de estar num ato como esse e o Estado brasileiro reconheça que praticou lawfare contra mim, que condenou injustamente e vai ter de pedir desculpa. Peça desculpa, Moro. Não se esconda atrás da imprensa, não. Seja homem!”

Lula brincou com a quantidade de tempo das penas que imputam a ele. “Os cientistas descobriram que já nasceu o homem que vai viver 120 anos. Por que não eu? Para poder cumprir todas as penas que eles estão me dando, vou ter de viver uns 140. Eu não tenho outra alternativa: eu tenho muito vontade de derrotar o fascismo nesse país. Quando eu falo que tenho 74 anos, 30 de energia e 20 de tesão é verdade. Não brinque com um pernambucano motivado. Quem não morreu em Garanhuns até completar 5 anos de idade, de fome, é gente que vai viver muito. E se tem uma coisa que eu gosto, é de brigar pela verdade, e brigar muito.”

Sobre o livro

O lawfare, explicou o professor Valim, é o uso do Direito como arma de aniquilar inimigos. “Manipula-se a força inerente ao Direito para destruir”, afirma, lembrando da responsabilidade de todo jurista em denunciar esse fenômeno. “Temos juristas aqui de vários matizes ideológicos. Lawfare não é uma etiqueta que os advogados de Lula criaram para dizer que ele é inocente. Pode afligir a todos. Essa obra quer tentar recuperar a força do direito: oferecer paz social e justiça.”

Segundo ele, o fenômeno aparenta supostamente usar a lei de forma correta, como algo que se encaixa em um discurso buscando viabilizar discussões. “Usa-se um discurso, disseminação de falsas notícias, criando um ambiente que possa normalizar o uso indevido da violência das leis”, exatamente como se vê no Brasil.

O lawfare, reforça o advogado, é um fenômeno multidisciplinar. “Operações psicológicas são usadas nessa prática”, revela. “E se alimenta de fake news”, completou Valeska, também advogada de Lula. “Estão nas redes sociais. Há táticas e estratégias por trás de todos os processos, inclusive contra Lula, e garanto que não é do Moro.”

A advogada lembrou do papel da FCPA norte-americana (Foreign Corrupt Practices Act, a Lei Americana Anti-Corrupção no Exterior), deturpada a partir de 2010, ampliada e internacionalizada. “Vivemos no Brasil o direito do FCPA”, revela, com cortes de exceção que coletam informações de empresas estratégicas e repassam para o Departamento de Justiça americano. “Ações coordenadas que usam a estratégia de acusar. Um vale-tudo jurídico. Sem lógica, sempre se utilizando da causa falsa da corrupção, da segurança nacional, do terrorismo. O medo é a falsa causa para forçar a má utilização da lei”, explicou, destacando a necessidade de que isso seja entendido para que ninguém mais seja vítima de lawfare.“Nessa era tecnológica ela é ainda mais perigosa do que quando foi criada.”

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