Balanço

No primeiro ano de Bolsonaro, destaque para desmontes, irresponsabilidades e omissão do STF

Debate promovido pela FGV-SP discutiu primeiros 12 meses de gestão do atual presidente e o que  se pode esperar dos restantes três anos de seu mandato

Marcos Corrêa/PR
Marcos Corrêa/PR
Política partidária, política externa, educação, saúde, inclusão social, economia. Balanço do primeiro ano de Bolsonaro é negativo, assim como a expectativa para os próximos três

São Paulo – O primeiro ano do governo Bolsonaro e o que  se pode esperar dos restantes três anos de seu mandato foi o tema de debate promovido pelo Centro de Política e Economia do Setor Público (Cepesp-FGV) e pela Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (EESP-FGV), nesta segunda-feira (9). O debate abordou, entre outros temas, política partidária, política externa, educação, saúde, políticas públicas e a relação do Supremo Tribunal Federal (STF) com a conjuntura do país.

O desmonte de estruturas públicas, a invasão de estruturas de governo por grupos evangélicos e reacionários, o voluntarismo de Bolsonaro e sua irresponsabilidade institucional, além da apatia do STF no enfrentamento a medidas inconstitucionais, foram alguns dos destaques do evento.

Fernando Limongi, da EESP, destacou a aparentemente inexplicável conduta do presidente Jair Bolsonaro de não se empenhar para aprovar suas medidas provisórias (MPs) no Congresso. “É uma irresponsabilidade política. É irresponsável e deixa as MPs perderem a validade”, disse.

Segundo ele, Bolsonaro tem sido recorrente “na tentativa de alterar o status quo sem passar pelo Congresso: o governo tenta mudar o status quo evitando o Congresso, às vezes de modo estranho, como no caso dos radares das estradas”. Tal iniciativa tem o objetivo de atender seu eleitorado, em especial os caminhoneiros. Em agosto, o chefe do Executivo mandou suspender por meio de despacho o uso de equipamentos medidores de velocidade estáticos, móveis e portáteis das estradas.

“O governo tem inconsistência legislativa e uma irresponsabilidade que vai ao limite. O presidente tem ‘surtos’ e raramente se engaja nas  propostas do próprio governo. Ele não se compromete com sua agenda, como se temesse ser derrotado, apesar de ter suporte no Legislativo e de ter condições (políticas) de organizar votações”, acrescentou Limongi.

Na avaliação de George Avelino, do Cepesp da FGV, “Bolsonaro consegue de alguma forma coordenar o sentimento de ressentimentos cuja origem remonta a 2013”, segundo a lógica de ser contra o sistema político. “Ninguém nunca viu um presidente em primeiro ano de mandato desmontar o próprio partido (o PSL).”

Ele também destacou a lacuna política do país, que hoje carece de um centro político e continua polarizado. “As democracias que não têm centro forte não têm vida longa. A polarização não é boa para a democracia.”

Professora de direito na FGV, Eloísa Machado acompanha os atos do governo contestados no STF. Ela chamou a atenção para a apatia do STF diante das afrontas de Bolsonaro e seu governo à Constituição e às instituições. De acordo com Eloísa, há no tribunal 66 ações propostas contra atos do governo, como MPs, decretos, portarias. E outras 20 ações que não têm relação com medidas oficiais, mas se relacionam com a agenda do governo e seu ideário.

Das 86 ações, o Supremo só se manifestou em três decisões, destacou. Em agosto, a corte suspendeu parte da MP 886, pela qual transferia para o Ministério da Agricultura a atribuição da Fundação Nacional do Índio (Funai) de demarcar terras indígenas.

O tribunal também suspendeu decreto que extinguia os conselhos participativos a partir de 28 de junho. E em outubro, liminar do ministro Gilmar Mendes suspendeu trecho da MP 892, que desobrigava as empresas de publicarem os balanços em jornais de grande circulação.

No entanto, o Supremo silenciou diante das questões ambientais de modo geral, assim como quanto aos decretos das armas, corte de verbas de universidades e mudança de regras para os reitores escolherem seus assessores.

Na questão das armas, observa a professora, “teoricamente seria fácil para o STF decidir, porque já decidiu (em 2007)  sobre a política de desarmamento. E mesmo assim não houve decisão sobre as armas. A tentativa de driblar o Congresso é óbvia, porque há exigência de lei, mas decretos ainda estão em vigor”.

Sobre as universidades, “também nenhuma decisão, embora fosse razoavelmente tranquilo para o Supremo”. Isso em função de decisões anteriores sobre autonomia universitária, questão em que o tribunal tem-se mantido a favor dessa prerrogativa. E na questão ambiental, “quase tudo o que foi feito poderia ser desfeito pelo STF, como a questão dos agrotóxicos”.

Eduardo Maretti

Segundo Eloísa Machado, há no STF 86 ações contra atos oficiais ou não do governo Bolsonaro, mas o tribunal só decidiu em três casos

Outro aspecto destacado pela professora é a Procuradoria Geral da República (PGR), que historicamente é ativa e participativa enquanto instância de controle concentrado de atos normativos da presidência. “Mas a PGR hoje não existe. Não houve nenhuma ação de controle concentrado da PGR.”

Durante o mandato de Bolsonaro, dois ministros deixarão o STF: o decano Celso de Mello (em 2020) e Marco Aurélio Mello (em 2021). A possibilidade de serem sucedidos por ministros evangélicos é grande. Mas a principal mudança, alerta Eloísa, será com o próximo presidente da corte, que será o ministro Luiz Fux.

Tanto no caso de ministros evangélicos como no papel de Fux, as consequências não devem ser boas, devido ao “desenho institucional” do STF, “que dá muito poder individual aos ministros”. E o presidente tem poder sobre a pauta e pode “decidir sobre o que não decidir”.

Eloísa conjectura que o os discursos e pronunciamentos contra o STF, de acordo com a lógica disseminada pela família Bolsonaro de que o tribunal “não deixa” o Executivo governar, estimulam reações virulentas da sociedade ante decisões da corte e podem estar intimidando os ministros.

As decisões do Supremo que revoltaram o eleitorado “de raiz” de Bolsonaro foram a que criminalizou a homofobia, a sobre prisão em segunda instância (que colocou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em liberdade) e a definição de que o réu delatado tem direito de falar depois do delator em ações penais. “A reação muito aguda a essas decisões talvez tenha feito o STF colocar as barbas de molho”, afirmou.

Saúde, Aids, Educação

Elize Massard, do Cepesp-FGV, falou sobre as consequências nefastas da presença de grupos evangélicos e conservadores no Ministério da Saúde. A atual gestão da saúde obedece à premissa de que as políticas relativas a HIV/Aids não podem “ofender” as famílias.

Com a reestruturação promovida pelo governo, foi excluído o termo HIV/Aids do nome do Departamento de IST, Aids e Hepatites Virais, criado em 1986. Hoje, é Departamento de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis, em obediência ao entendimento de que Aids é algo de que não se pode falar.

Antes da publicação de decreto por Bolsonaro, o departamento, só tratava de políticas públicas contra HIV e hepatites virais. Segundo Elize, o governo também extinguiu a assessoria de comunicação, que era responsável pela divulgação de campanhas de prevenção progressistas e bem sucedidas.

O modelo das políticas contra a doença no Brasil – unindo prevenção e tratamento – são referência mundial. “O tratamento de Aids no Brasil é um emblema de políticas bem sucedidas”, disse Elize. Essa política produziu a redução de transmissão de mãe para filho, o declínio de hospitalização, mortalidade e doenças associadas, além de aumentar a expectativa de vida de portadores do vírus de cinco anos (1996) para mais de 12 (2014).

A educação sofre as mesmas consequências que a saúde, observou André Portela, da Escola de Economia. Para ele, porém, se a configuração legal do sistema educacional – fruto de processo legislativo inaugurado com a Constituição de 1988 – for mantida, o rumo não será alterado.

Mas ele lembra que o Fundeb, o mais importante sistema de financiamento da educação básica, vence em 2020, e será preciso mantê-lo. “As políticas vão continuar? Se continuamos com a democracia, cresceremos mais do que crescemos agora”, disse.

Política externa

Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais na FGV, acredita que, com a eleição de Alberto Fernández como presidente da argentino, o governo Bolsonaro pode eleger o país vizinho como “bicho papão”, em atenção ao seu discurso contra o que chama de socialismo.

Para ele, as atuais boas relações com a China, alvo de ataques na campanha e no início do governo, se deve em grande parte ao vice-presidente Hamilton Mourão, que “foi crucial no sentido de consertar a relação” com o gigante oriental. Mas, em sua avaliação, isso não deve ocorrer no caso da Argentina.