R$ 14,5 milhões

Bolsonaro esconde gastos do cartão corporativo com ajuda de deputado aliado

Planalto usa decreto da ditadura para manter gastos sob sigilo, alegando "questão de segurança". Ao mesmo tempo, presidente promete "pau de arara" para ministro envolvido com corrupção

Isac Nóbrega/PR
Isac Nóbrega/PR
Sigilo para si e pau de arara para ministro revela contradições e barbarismos de Bolsonaro, segundo cientista político

São Paulo – A Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados mantém engavetado o pedido de auditoria nos gastos do cartão corporativo da Presidência da República, de autoria do deputado Elias Vaz (PSB-GO). Ele quer que o governo federal discrimine os gastos, que somam R$ 14,5 milhões desde o início do ano. O deputado que preside a comissão e se autoproclamou relator desse processo é Léo Motta (PSL-MG), que há dois meses não dá andamento ao pedido. A divulgação dos gastos com cartão corporativo da Presidência passaram a ocorrer no governo Fernando Henrique Cardoso. A sistematização se deu com o governo Lula, a partir da criação do Portal da Transparência.

Agora, o Planalto se baseia em decreto editado durante o regime militar para manter os gastos em sigilo. A alegação é que a divulgação dos dados ameaçaria a segurança nacional. Em novembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou esse dispositivo, mas o governo ignora a decisão.

Para o cientista político Paulo Níccoli Ramirez, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, é difícil acreditar no argumento do governo para manter esses gastos sob sigilo. A falta de transparência também coloca Bolsonaro em mais uma contradição.

“Esses gastos devem envolver viagens, jantares, até mesmo combustível. Seria muito mais saudável ao governo demonstrar esses gastos, exatamente para evitar qualquer dúvida da sociedade em relação às suas ações política. Na medida em que o presidente torna sigiloso, é obvio que há alguma coisa errada. Se esconde, é porque há problema na raiz. É uma espécie de traição aos seus eleitores, uma vez que Bolsonaro foi eleito com uma pauta de combate à corrupção”, afirmou às jornalistas Marilu Cabañas e Nahama Nunes, para o Jornal Brasil Atual, nesta sexta-feira (13).

Barbaridade e moralismo

Enquanto esconde os gastos com o cartão, o presidente Jair Bolsonaro afirmou ontem (12) que colocará ministros “no pau de arara”, caso estejam envolvidos em casos de corrupção. “Pode ser que haja corrupção no meu governo? Sim, pode ser que haja. Pode ser que haja e o governo não saiba. Se aparecer, coloco no pau de arara o ministro”, afirmou em discurso para  prefeitos durante visita a Palmas, no Tocantins. O pau de arara é um instrumento de tortura que ficou mais conhecido por seu uso frequente durante a ditadura.

Para Ramirez, trata-se de mais uma fala “perigosa” e “antidemocrática”, do presidente, que também se soma às menções do filho Eduardo – que ameaçou com a edição de “um novo AI-5”, caso a esquerda fosse às ruas em protestos como no Chile – e do ministro da Economia, Paulo Guedes, que também deu declarações com menção ao decreto de 1968, que inaugurou o período mais obscuro da ditadura.

O cientista político fez menção ao caso do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, investigado pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP),  sob suspeita de enriquecimento ilícito no período em que trabalhou no governo Geraldo Alckmin (PSDB), em São Paulo. Neste período, o seu patrimônio passou de R$ 1,4 milhão em 2012 para R$ 8,8 milhões em 2018.

O senador Flávio Bolsonaro também é investigado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), suspeito de se beneficiar de esquema de desviar parte dos salários dos servidores, quando era deputado estadual. Conhecido como “rachadinha”, o esquema seria comandado pelo ex-policial militar Fabrício Queiroz, que não é visto desde janeiro deste ano e já faltou a quatro depoimentos.

“Por mais que sejamos críticos a esse governo e ao próprio Salles, evidente que ninguém deseja que ele seja torturado. O que se espera é que sejam tomadas medidas legais.(…) Se a regra fosse válida, duvido que Bolsonaro aplicasse aos seus filhos. A gente tem que saber diferenciar civilidade de ações bárbaras e primitivas”, diz Ramirez.

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