Os saudosistas

Parlamentares e MBL pedem prisão preventiva de Lula apoiados em lei da ditadura

"Nós estamos em um momento de erosão democrática bastante preocupante", alerta professora em Direito Constitucional da UFPR sobre uso da Lei de Segurança Nacional, após entendimento do STF

Magno Romero Rabelo Mota/PT
Magno Romero Rabelo Mota/PT
'Nada mais de acordo com o saudosismo à ditadura do que acionar a Lei de Segurança Nacional', diz professora sobre medida para prender o ex-presidente

São Paulo – Com menos de uma semana em liberdade, após ter sua prisão declarada inconstitucional, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, já é alvo de três pedidos de prisão preventiva impetrados pelos deputados Sandersoan (PSL-RS) e Carla Zambelli (PSL-SP), que protocolaram o primeiro deles já na segunda-feira (11), seguidos pelo senador Major Olímpio (PSL-SP) no mesmo dia e nesta terça (12), pelo Movimento Brasil Livre (MBL). Os três requerimentos contra Lula argumentam que Lula solto configura atentado à Lei de Segurança Nacional, do período autoritário.

O dispositivo em questão foi regulado em 1983, durante o governo João Figueiredo, em plena ditadura civil-militar. Mesmo contrária aos valores da Constituição Federal de 1988, a legislação não deixou de valer no atual ordenamento jurídico e, embora seja aplicada de modo mais brando do que de fato se trata, ela representa um comportamento “bastante autoritário”, como descreve a professora em Direito Constitucional da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Desiree Salgado, que aponta ainda para um agravante nessa questão.

Em entrevista ao jornalista Glauco Faria, da Rádio Brasil Atual, a professora destaca os pedidos que pedem a prisão preventiva de Lula, e no caso do MBL, também do ex-ministro José Dirceu, solto na semana passada, como uma tentativa de calar a oposição de uma liderança política. Acrescentando ainda incitação ao crime e ao terrorismo, o que, na prática, revela a falta de tolerância dentro de um ambiente democrático por parte desses parlamentares e do movimento, que não aceitaram a decisão do STF quanto ao cumprimento da Constituição sobre a presunção de inocência e a impossibilidade de prisão em segunda instância.

“Nós estamos em um momento de erosão democrática bastante preocupante”, alerta Desiree. “Isso encontra eco ao discurso que eles vêm proferido, que é um discurso um pouco elogioso às formas de governo autoritárias, saudosismo da ditadura, e, nada mais de acordo com o saudosismo à ditadura do que acionar a Lei de Segurança Nacional. Também imagino que a gente verá as forças-armadas como garantia da lei da ordem desse governo, me parece outro resquício autoritário. Estamos diante de dois entulhos autoritários, que poderiam estar já maduros na sociedade o suficiente para se afastar, e ainda não conseguimos. Talvez esteja faltando um apego da nossa sociedade aos valores democráticos”.

Anulação da prisão em 2ª instância não beneficia apenas os ricos

De acordo com a professora, uma prova desse processo é também a movimentação no Congresso, que tenta aprovar duas propostas de emenda à Constituição (PECs), que reeditam a execução antecipada da pena após condenação em segunda instância, ainda que a Constituição defina como cláusula pétrea a presunção de inocência. Para ela, paira sobre a opinião pública um “crescente desprezo ao texto constitucional”, impulsionado por um populismo do poder Executivo, mas também, do Judiciário.

“A própria decisão do STF, esse 5 (votos) para lá e seis para cá, mostra como a Constituição, por vezes absolutamente clara, ainda é um espaço de luta, um instrumento de disputa”, ressalta Desiree contestando a explanação de alguns ministros que, durante o julgamento da prisão em segunda instância, chegaram a dizer que apenas os ricos seriam favorecidos com a decisão.

Uma “leitura inadequada da realidade”, avalia a professora, como mostra uma decisão promulgada nesta segunda pelo Supremo, que anulou a condenação de uma mulher, em São Paulo, presa por tráfico de drogas pro ter sido flagrada com uma grama de maconha. Por maioria, os ministro declararam “princípio de insignificância”, mas, ainda assim, essa mulher foi condenada em primeira e segunda instância pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), e precisou a Defensoria Pública recorrer da decisão à alta instância.

“Preocupa-me bastante não apenas a questão do público que está dentro do sistema prisional, que de fato não é a elite brasileira, mas também o uso, às vezes até estratégico de argumentos, de parcelas e estatísticas, para trazer a opinião pública para esse lado mais punitivista”, lamenta a professora de Direito Constitucional.