Mídia sem autocrítica

‘Imprensa fez vista grossa ao crescimento do neofascismo bolsonarista’, diz Dilma ao ‘Estadão’

Perguntada sobre defesa do AI-5 por parte de Eduardo Bolsonaro, ex-presidenta divulgou sua resposta. Segundo ela, posição editorial do jornal tem sido "no mínimo ambígua diante da ascensão da extrema direita no País"

Anselmo Cunha/Agência PT
Anselmo Cunha/Agência PT
Para Dilma, o editorial "é pior do que um erro. É, mais uma vez, a distorção iníqua que confirma o facciosismo do jornal"

São Paulo – A ex-presidenta Dilma Rousseff divulgou neste sábado (2) uma resposta ao jornal O Estado de S. Paulo. Perguntada sobre o que achava da declaração do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) em defesa de um novo AI-5 caso a esquerda “radicalizasse”, ela foi taxativa e cobrou o jornal e a imprensa, de forma geral, em relação à defesa da democracia e à eleição de Jair Bolsonaro.

“Ninguém, dos órgãos de imprensa, pode se declarar surpreendido pela manifestação do deputado Eduardo Bolsonaro a favor do AI-5. Na verdade, ninguém pode se surpreender porque já houve seguidas manifestações contra a democracia por parte da família Bolsonaro”, disse Dilma. “O grave é que nunca receberam da imprensa a oposição enérgica que mereciam.”

Para a ex-presidente esse comportamento da mídia tradicional tem uma justificativa. “(…) acredito que a imprensa fez vista grossa ao crescimento do neofascismo bolsonarista, porque este adotara a agenda neoliberal. É que, além das pautas neofascistas, a extrema direita defende a retirada de direitos e de garantias ao trabalho e à aposentadoria; as privatizações desnacionalizantes das empresas públicas e da educação universitária e a suspensão da fiscalização e da proteção ambiental à Amazônia e às populações indígenas. Não é possível alegar surpresa ou se estarrecer diante da defesa do AI-5. Na verdade, em prol da realização da agenda neoliberal, na melhor hipótese se auto iludiram, acreditando que poderiam cooptar ou moderar Bolsonaro.

É estranho que me perguntem o que eu acho da última declaração sobre o AI-5, pois a minha vida toda lutei, e continuo lutando, contra o AI-5, seus assemelhados e seus defensores. O Estadão, que me faz esta pergunta, também deve e precisa responder, pois sua posição editorial tem sido, diga-se com muita gentileza, no mínimo ambígua diante da ascensão da extrema direita no País”, questionou a ex-presidenta.

Confira abaixo a íntegra da resposta de Dilma.

SOBRE OS SURTOS NEOFASCISTAS E A COVARDIA

Ninguém, dos órgãos de imprensa, pode se declarar surpreendido pela manifestação do deputado Eduardo Bolsonaro a favor do AI-5. Na verdade, ninguém pode se surpreender porque já houve seguidas manifestações contra a democracia por parte da família Bolsonaro. Defenderam a ditadura militar e, portanto, o AI-5; reverenciaram regimes totalitários e ditadores; homenagearam o torturador e a tortura; confraternizaram com milicianos. Desde sempre pensaram e agiram a favor do retrocesso. Antes das eleições não havia duvidas a respeito. Durante as eleições e depois dela, muito menos, pois têm se expressado contra a democracia e os princípios civilizatórios em todas as oportunidades que tiveram.

O grave é que nunca receberam da imprensa a oposição enérgica que mereciam. Ao contrário, acredito que a imprensa fez vista grossa ao crescimento do neofascismo bolsonarista, porque este adotara a agenda neoliberal. É que, além das pautas neofascistas, a extrema direita defende a retirada de direitos e de garantias ao trabalho e à aposentadoria; as privatizações desnacionalizantes das empresas públicas e da educação universitária e a suspensão da fiscalização e da proteção ambiental à Amazônia e às populações indígenas. Não é possível alegar surpresa ou se estarrecer diante da defesa do AI-5. Na verdade, em prol da realização da agenda neoliberal, na melhor hipótese se auto iludiram, acreditando que poderiam cooptar ou moderar Bolsonaro.

Mas a defesa do AI-5 e da ditadura sempre esteve lá.

Vamos novamente lembrar, o chamado filho 03, que agora diz que considera o AI-5 necessário, é o mesmo que, há algum tempo, disse que “um soldado e um cabo” bastavam para fechar o STF. Óbvio que sem o poder coercitivo de um AI-5, isto nunca seria possível.

O presidente, então ainda deputado, proferiu no plenário da Câmara um voto em que homenageou um dos mais notórios e sanguinários torturadores do regime militar. Aquele coronel só agiu com tal brutalidade contra os opositores do regime militar porque estava protegido pelo AI-5.

Jair Bolsonaro afirmou em entrevista que a ditadura militar cometeu poucos assassinatos de opositores políticos. E que os militares deviam ter matado “pelo menos uns 30 mil”. Também afirmou, na campanha do ano passado, que, se vencesse a eleição, só restariam dois caminhos aos petistas – o exílio ou a prisão – e de que maneira isto seria possível sem a força brutal de um ato institucional como o AI-5?

É estranho que me perguntem o que eu acho da última declaração sobre o AI-5, pois a minha vida toda lutei, e continuo lutando, contra o AI-5, seus assemelhados e seus defensores. O Estadão, que me faz esta pergunta, também deve e precisa responder, pois sua posição editorial tem sido, diga-se com muita gentileza, no mínimo ambígua diante da ascensão da extrema direita no País.

Quem nunca questionou as ameaças da família Bolsonaro com a firmeza necessária e que, em nome de uma oposição cega, covarde e irracional ao PT, se omitiu diante do crescimento do ódio e da extrema-direita, tornou-se cúmplice da defesa canhestra do autoritarismo neofascista.

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