Brasil colônia

Precisamos pensar em unidade e uma consciência latino-americana, diz sociólogo

Antonio Carlos Mazzeo defende que esquerda e movimentos sociais, para ter uma "democracia substantiva", têm de brigar pelo controle do processo produtivo

Vídeos e foto por Claudia Motta
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Ao lado da mediadora Daniela Mussi, Antonio Carlos Mazzeo afirma que Brasil precisa pensar "numa unidade imediata com o cone sul”

São Paulo – Em palestra nesta quarta-feira (16) sobre a história da democracia, no seminário Democracia em Colapso?, realizado pela editora Boitempo e o Sesc Pinheiros, em São Paulo, o sociólogo Antonio Carlos Mazzeo defendeu uma “unidade ideológica latino-americana”. O objetivo é  “combater a autocracia burguesa e o imperialismo”. Para ele, é essencial, para os países do subcontinente, fortalecerem uma economia que valorize o mercado interno.

O Brasil, em particular, “tem que pensar numa unidade imediata com o Cone Sul”, disse. Atualmente, são considerados países representantes do Cone Sul Chile, Argentina e Uruguai – com Paraguai e região Sul do Brasil completando a forma de “cone” no mapa do continente.

Para Mazzeo, a esquerda de certa maneira abandonou a ideia de Estado-nação, mas não no sentido do Estado burguês, nacionalista, como é o governo de Bolsonaro, que é nacionalista para os Estados Unidos. “Prefiro bater continência para a nossa bandeira, a bandeira da Argentina, do Equador. A ideia do Estado-nação é forçar a construção de uma forma brasileira e latino-americana de ser e de pensar”, disse. “Nós já temos isso. Mas precisamos pensar em uma consciência nacional, latino-americana.”

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Autor de Os portões do Éden: igualitarismo, política e Estado nas origens do pensamento moderno (Boitempo), o sociólogo considera urgente “desmontar a autocracia burguesa”. O processo histórico brasileiro, em que a colonização foi feita com trabalho escravo e senhores de terras responsáveis pela economia, produziu “uma burguesia retrógrada, que impõe uma organização econômica no sentido de continuar subalterna” aos interesses imperialistas, hoje representados pelos Estados Unidos.

Para Mazzeo, o governo de Jair Bolsonaro simboliza essa realidade. “Por que essa fúria de desmonte?”, questiona. “Por que o Brasil precisa produzir o que a indústria de fora produz? Por isso fecham-se as indústrias. Esse é o projeto de Paulo Guedes (ministro da Economia).”

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O projeto, disse, passa deliberadamente por fechar as indústrias do país, usar fundo público, dinheiro do povo, que é repassado aos bancos. Com isso, cresce a produção da agroindústria, o país volta a ser mero exportador de commodities e a consumir produtos das indústrias internacionais. “Como consequência, para que universidades, que fazem projetos de desenvolvimento, pesquisa científica, se o país vai exportar petróleo cru para importar o produto industrializado?”

A cultura dos países latino-americanos subalternos é consequência do período colonial, observou, quando não podiam produzir manufaturas, mas apenas produtos agrícolas, para não concorrer com a Inglaterra, principalmente, mas também a França. “Isso moldou sua vocação agrária.”

EUA x Brasil

“O Brasil não fez uma revolução burguesa e foi talvez o último país a abolir a escravidão (em 1888), às portas do século 20”, disse Mazzeo. “Forma-se uma elite sem perspectiva democrática. Concordo com Marilena Chaui: ‘nunca houve democracia no Brasil’”, graças a sua “burguesia retrógrada de perfil oligárquico”, acrescentou.

Os Estados Unidos fizeram a Revolução Americana, em 1776, que fundou a democracia, promovendo uma ruptura revolucionária com a Inglaterra e criando manufaturas. Depois, os norte americanos ainda viveram a Guerra Civil, vencida pelo Norte desenvolvimentista (1861), que promovia a indústria baseada na mão de obra livre, contra o Sul, reacionário, racista e escravocrata.

“O resto da América, incluindo o Brasil, permanece como colônia”, disse o sociólogo. Como inúmeros analistas apontam, após a Lei Áurea, os negros libertados não foram compensados com condições sociais dignas e um mercado de trabalho. “Foram para os morros, as favelas, as palafitas no Nordeste.”

Na opinião de Mazzeo, os governos progressistas da América do Sul a partir do início do século 21 foram experiências socialdemocratas.  São os casos, segundo ele, de Fernando Lugo (Paraguai), Pepe Mujica (Uruguai), Nestor e Cristina Kirchner (Argentina) e Rafael Correa (Equador).

Segundo ele, esses governos desenvolveram políticas públicas mas não promoveram uma ‘democracia substantiva’, como Cuba, “exceção na América Latina, porque socializou os meios de produção”. “Não adianta fazer programas sociais como Bolsa Família e fazer aliança com elites representadas pelo agronegócio e pelos bancos, que acabam promovendo os golpes”, criticou.

Para o sociólogo, é necessário controlar o processo produtivo para se construir a “democracia substantiva”. Para isso, é necessária a organização de movimentos sociais e mobilizações de rua. “A luta tem que ser mais radical”, pontuou.

Assista a trechos da palestra de Antonio Carlos Mazzeo.