Guerra Suja

Justiça aceita denúncia contra delegado do Dops que incinerou corpos de militantes

Cláudio Guerra admitiu, em depoimento, ter levado corpos da "Casa da Morte" para uma usina no Norte Fluminense, em 1974 e 1975

Reprodução/CNV
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Guerra (à esq.) em reconstituição na usina para onde, segundo confissão, ele levava corpos para serem incinerados

São Paulo – A Justiça Federal recebeu denúncia do Ministério Público Federal (MPF) contra o ex-delegado Cláudio Antônio Guerra, do Dops, por ocultação e destruição de 12 cadáveres durante a ditadura. Hoje com 79 anos, Guerra, que agora se torna réu, admitiu em depoimento ter incinerado corpos de militantes políticos, entre 1974 e 1975, em fornos da Usina Cambahyba, em Campos, na região do Norte Fluminense.

A revelação sobre os corpos surgiu em 2012, durante o lançamento do livro Memória de uma Guerra Suja, a partir de depoimento do ex-delegado a Marcello Neto e Rogério Medeiros. Posteriormente, ele confirmou suas declarações. Guerra recolhia os corpos na chamada “Casa da Morte”, em Petrópolis (RJ), e também do DOI-Codi do Rio de Janeiro. Teriam sido 12, no total, levados para serem incinerados.

Ele encostava o carro e recebia de militares os corpos em sacos plásticos. Na usina, os cadáveres passaram para outro veículo, que se aproximava do forno, para onde eram empurrados com uma espécie de pá. O cheiro não chegava a chamar a atenção por causa do odor de vinhoto, um resíduo que fica após a destilação da cana de açúcar. Em 19 de agosto de 2014, foi feita uma reconstituição no local, e se constatou que a abertura dos fornos era suficiente para introdução de corpos humanos.

“Isso (decisão da Justiça) é importante, pois, de acordo com dados do Relatório de Crimes da Ditadura (2017), apenas seis de 26 pessoas acusadas por crimes cometidos durante a ditadura se tornaram réus em ação penal”, afirmou o procurador procurador da República Guilherme Virgílio, autor da denúncia. Além da condenação, o MPF pede cancelamento de eventual aposentadoria ou qualquer provento que ele receba como agente público.

“Em seu depoimento, Cláudio Antônio relatou que havia preocupação nos órgãos de informação, por parte dos coronéis Perdigão e Malhães, de que os corpos daqueles que eram eliminados pelo regime acabassem descobertos, movimentando a imprensa nacional e internacional. Ele narrou que uma das estratégias de sumir com os corpos consistia em arrancar parte do abdômen das vítimas, evitando, com isso, a formação de gases que poderia fazer com que o corpo emergisse. Ainda segundo ele, os rios constituíam a preferência para afundamento dos corpos, dado que no mar ‘a onda traz de volta'”, diz o Ministério Público.

Por isso, Guerra sugeriu o forno da usina – para não deixar rastros. Ele lembrou que já usava o local para “desovar” criminosos comuns no Espírito Santo.

O tenente-coronel Paulo Malhães, que era do Centro de Informações do Exército (CIE), confessou crimes cometidos durante a ditadura. Ele foi assassinado em 2014. E o coronel Freddie Perdigão foi apontado como responsável pela Casa da Morte e autor do atentado do Riocentro, em 1981. Ele morreu em 1996.

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