Sempre em campanha

Tiro no pé: Bolsonaro publica e depois exclui do Twitter conto de leão perseguido por hienas

No vídeo que apagou, Bolsonaro tenta comover seguidores fazendo-se de vítima acuada por instituições, movimentos e até pela mídia que o elegeu

ReproduçãoTwitter/Foto: Valter Campanato/ABR
ReproduçãoTwitter/Foto: Valter Campanato/ABR
Em vídeo, Bolsonaro se dirige aos 33% do eleitorado que aprova sua política

São Paulo – O presidente Jair Bolsonaro (PSL) aproveitou o primeiro aniversário de sua eleição, neste dia 28, para demonstrar que, apesar de empossado há quase 10 meses, continua em campanha. Ele apelou pela união de seus apoiadores em torno de seu nome já bastante desgastado. E chegou a postar em seu perfil no Twitter o vídeo de um leão, chamado Bolsonaro, encurralado por hienas batizadas com nomes de partidos políticos – inclusive o seu, o PSL –, centrais sindicais, movimentos sociais, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Supremo Tribunal Federal (STF) e até o movimento feminista.

A lista de “hienas” tem ainda Nações Unidas (ONU), Globo, Jovem Pan e revista Veja, entre outros. Uma metáfora que faz muito sentido, principalmente para os mais jovens, que cresceram assistindo às versões de Simba, de O Rei Leão.

Lá para o final do curto vídeo, quando o leão Bolsonaro parecia já sem chances de resistir ao ataque das hienas, surge um outro leão, representando a parcela conservadora da sociedade brasileira, para salvá-lo. E a mensagem final: “De perseguição, basta a da oposição. Vamos apoiar o presidente”.

No mesmo post do vídeo, Bolsonaro manda um recado também para Chile, Argentina, Bolívia, Peru e Equador, cuja população foi a grande protagonista nas últimas semanas, ao ir para as ruas contestar o neoliberalismo. “Mais que a vida, a nossa liberdade”, diz o tuíte. A mensagem foi tão esculhambada nas redes que acabou apagada.

O tiro no pé levou a hashtag #1AnoDeDesgraça a subir na rede social. Surgiram desde reações associando a figura do leão ao imposto de renda que vai devorar os brasileiros até ironizando a sexualidade dos animais, o leão-presidente e o leão-conservador-patriota.

Rede Globo, o Supremo Tribunal Federal (STF) e até o movimento feminista representam as hienas a encurralar o leão Bolsonaro (Reprodução)

Verdadeira eleição

Em entrevista ao jornal O Globo, o filósofo, cientista político e presidente do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), Marcos Nobre, discutia a estratégia de Bolsonaro, que na sua opinião, antecipa a corrida presidencial em três anos.

“A verdadeira eleição para ele é a de 2022. Agora ele precisa estar em campanha o tempo todo para transformar em algo orgânico, com substância, a confluência de fatores que o elegeu no ano passado. Seu primeiro mandato, portanto, é de destruição e enfrentamento das instituições”, afirmou Nobre.

Quanto à possível influência das milícias digitais pró-governo, Nobre disse que embora existam robôs, há também uma mudança radical na maneira de fazer política. “Minha preocupação é que as pessoas pensem que a manutenção desses 33% do eleitorado se dá só com mentira, manipulação de pessoas”, ressalta.“Bolsonaro se aproximou de pessoas conectadas no mundo digital, mas que se sentiam excluídas da política há muito tempo. Bolsonaro, o Steve Bannon (marqueteiro que atuou na campanha do americano Donald Trump), eles sabem operar nisso. As pessoas sentem, quando entram nessa corrente, que produzem efeitos reais. Que estão sendo ouvidas pelo líder. É muito importante não subestimar a parte viva dessas redes”, num alerta que pode ajudar a explicar um vídeo tão bizarro como o dos leões contra as hienas.

Bolsonaro surfou uma onda de descrédito institucional partilhada pela base mais fiel do seu eleitorado, que corresponde a 33% da população, segundo as pesquisas. Essa é a base que ele quer manter até 2022. Ele se tornou o primeiro presidente que governa para só um terço do Brasil. O sistema político tenta entrar nos espaços que Bolsonaro deixa em aberto, e ele deixa porque são temas que não mobilizam tanto este terço. A Previdência é um ótimo exemplo disso. Se os espaços são ocupados e Bolsonaro ainda fatura com isso, melhor ainda para ele.

O presidente do Cebrap se disse espantado com a disposição do sistema político de correr “um risco desse tamanho”. “Todo mundo acha que a estratégia do Bolsonaro é insustentável, que a economia não vai andar, e por aí vai. E quem garante que ele perde em 2022? Se o Bolsonaro consegue a reeleição, aí ele tem margem para um governo verdadeiramente conservador ou autoritário.”

Nobre avalia, ainda, que Bolsonaro não tem oposição real. “A eleição dele, como político antissistema, trouxe a reboque um descrédito da própria ideia de oposição. Quem discorda dele é visto como ‘sistema’. Ou seja, não tem credibilidade de saída. Há um impasse surgido pelo desenho das eleições de 2018. Diante da crise econômica e institucional que se vivia, as opções oferecidas foram manter as coisas como estavam ou quebrar tudo. O eleitorado resolveu quebrar tudo.”

Confira o post que Bolsonaro excluiu:

Antes que o post fosse apagado, já circulavam memes lembrando os filhos e amigo do presidente, o Queiroz. (Reprodução/Twitter)