Segunda Instância

Banalização das prisões enfraquece o Judiciário, diz advogado pela democracia

Especialista em processo penal reafirma que a Constituição Federal estabelece a privação de liberdade como "último recurso", e não "instrumento primeiro" de um processo

Barroso usa números deturpados, silogismos e comparações descabidas para defender prisão em segunda instância

São Paulo – Para o advogado criminalista José Carlos Portella Júnior, professor de processo penal do Centro Universitário Curitiba (UniCuritiba), a jurisprudência criada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 2016, autorizando o cumprimento antecipado da pena após condenação em segunda instância banalizou o uso das prisões. Segundo ele, a Constituição estabelece a privação de liberdade como “último recurso”, e não como “instrumento primeiro” de um processo.

Com três votos a favor da manutenção da possibilidade do cumprimento de pena após condenação em segunda instância, e um contra, o Supremo deve dar prosseguimento nesta quinta-feira (24) ao julgamento que pode rever tal entendimento. Caso a maioria decida que a prisão só pode se dar após esgotados em todas as esferas do Judiciário, como prevê a Constituição, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva poderia recorrer em liberdade até que o próprio STF analise a condenação imposta pelo então juiz Sergio Moro, no caso do chamado triplex de Guarujá, no litoral paulista.

O professor também criticou a proposta do “meio-termo jurídico” defendido pelo presidente do STF, Dias Toffoli, de adotar o cumprimento de pena após esgotados os recursos no Superior Tribunal de Justiça (STJ), o que criaria uma espécie de nova “terceira instância”, e equipararia o STJ ao próprio STF. Além de conservar o caráter inconstitucional da proposta, a solução é inviável, pois os recursos dirigidos a um e outro tribunal têm naturezas distintas. Ao STJ, cabe avaliar se determinada decisão judicial estaria de acordo com o que dispõem as leis federais. Já o STF, avalia a constitucionalidade da decisão.

O advogado também ironizou pedido dos procuradores da própria Lava Jato para que a sentença contra Lula no processo do triplex fosse anulada e a ação voltasse à primeira instância, depois que o STF definiu que réus têm o direito de se manifestar por último nos autos do processo. “É curioso, depois de tanto tempo que se debate a legalidade da Lava Jato, que alguns agentes queiram corrigir os rumos dessa operação que, a gente sabe, tem cunho político. Se trata daquilo que a gente chama da lawfare, o uso do direito para finalidades político-partidárias.”

Portella Junior,  que também é membro do coletivo Advogadas e Advogados pela Democracia, criticou o ministro Luís Roberto Barroso que, ao defender a prisão em segunda instância, apresentou números que apontariam para redução do ritmo do crescimento da população carcerária, quando passou a vigorar a nova jurisprudência. Ele destacou estudo elaborado pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro que aponta impactos, inclusive nas audiências, de custódia. Antes de 2016, a liberdade provisória para presos em flagrante era garantida em 40% dos casos. Após entrar em vigor o novo entendimento do STF, esse número caiu para 20%.

“Se passo a dizer que a prisão é um instrumento de reforma social, como o Barroso defende, que vai levar o Brasil ao progresso, que poderia erradicar a criminalidade – e a realidade desmente isso – se encampo esse discurso, esvazio todos os outros instrumentos para fazer o controle da prisão”, afirmou aos jornalistas Marilu Cabañas e Glauco Faria, para o Jornal Brasil Atual, nesta quinta-feira (24). Ele também destacou estudo elaborado pela Organização dos Estados Americanos (OEA) que revela que quando uma pessoa é mantida presa preventivamente, mesmo que indevidamente, é maior a probabilidade de vir a ser condenada, referendando a injustiça, em vez de corrigi-la.

Para justificar a sua posição, Barroso também afirmou que, entre 2009 e 2019, apenas 2,77% dos recursos foram acatados pelos STF. Para Portella Júnior, o ministro usa de “silogismos e comparações” que não são cabíveis.

“Ainda que fosse um número muito pequeno de condenações revertidas nas instâncias superiores, de qualquer forma, estamos lidando com pessoas inocentes. O Judiciário não garante a sua legitimidade encarcerando pessoas. Essa lógica instrumentalista é absurda. Parte de uma mentalidade extremamente autoritária, que desconsidera a dignidade das pessoas. Se o Judiciário pretende ser legítimo no exercício do seu poder, não pode tolerar que pessoas percam seus bens mais valiosos, entre eles a liberdade.”

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