ofensa internacional

Mundo não compactua mais com declarações de Bolsonaro sobre ditaduras

Presidente elogiou a ditadura chilena e atacou a memória do pai da alta comissaria da ONU, complicando pretensões brasileiras de ocupar vaga em conselho

Marcos Corrêa/PR
Marcos Corrêa/PR
Internacionalmente, Bolsonaro vai acumulando impopularidade devido a essa série de declarações polêmicas e agressivas

São Paulo – A alta comissária da Nações Unidas (ONU) para direitos humanos, Michelle Bachelet, fez um alerta, nesta quarta-feira (4) para a redução do “espaço cívico e democrático” no Brasil de Bolsonaro ao apontar para o aumento da violência policial no país. Mais uma vez, o presidente brasileiro respondeu a uma crítica de forma ofensiva e grosseira, fazendo elogios à ditadura chilena, que matou o pai de Bachelet. Segundo ele, o Chile “só não é uma Cuba graças aos que tiveram a coragem de dar um basta à esquerda em 1973, entre esses comunistas o seu pai brigadeiro à época”, afirmou.

Na avaliação do sociólogo e professor da Universidade de São Paulo (USP) Wagner Iglecias a repercussão internacional da declaração de Bolsonaro sobre a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990), “uma das mais duras da América Latina em todos os tempos”, é “muito ruim”, e deve complicar as pretensões do Brasil, que pleiteia uma vaga no Conselho de Direitos Humanos da ONU.

As declarações foram mal recebidas até mesmo pelo atual presidente chileno, o conservador e opositor de Michelle, Sebastian Piñera, que disse que “não compartilha da alusão de Bolsonaro sobre Bachelet e seu pai”. O presidente do Senado chileno, Jaime Quintana, que faz oposição à Piñera foi além, e afirmou que a fala do presidente brasileiro representa “um insulto a todos os chilenos”, segundo a BBC Brasil. Já a senadora socialista Isabel Allende afirmou que “O Brasil não merece este presidente, ele só mostra o quanto é miserável”.

“Piñera é aliado de Bolsonaro, um homem de direita. Mas é uma direita que não se sente mais confortável em apoiar aquilo que foi um dos regimes mais sangrentos que a América Latina já conheceu. Tem uma repercussão muito ruim do ponto de vista internacional, não apenas no Chile, mas em relação a toda a América Latina e o resto do mundo, que hoje não compactua mais com esse tipo de declaração”, disse Iglecias em entrevista ao jornalista Glauco Faria, para o Jornal Brasil Atual, nesta quinta-feira (5).

O sociólogo também destacou uma contradição no discurso de Bolsonaro, que há poucos dias reclamava do que seria, em sua visão, ingerência externa do presidente francês, Emannuel Macron,  ao emitir declarações sobre as queimadas na Amazônia brasileira. Além de agora meter-se a palpitar sobre o Chile, em mais de uma oportunidade o presidente brasileiro emitiu opiniões sobre a disputa eleitoral na Argentina, atacando a provável volta ao poder da ex-presidenta Cristina Kirchner, vice na chapa de Alberto Fernandez, favorito para o pleito de outubro, em oposição à candidatura do neoliberal Mauricio Macri, que tenta se reeleger.

“A figura de Bolsonaro vai ganhando impopularidade nos países vizinhos por essa série de declarações polêmicas. Quando ele omite opiniões sobre o processo eleitoral argentino, é visto em quase todo o espectro político do país como uma intromissão indevida. Declarações sobre a Venezuela são recorrentes e já vêm de muito tempo”, lembrou Iglecias.

O analista explica ainda que, ao contrário da Argentina, o Chile evoluiu menos na chamada “justiça de transição“, conjunto de medidas adotadas visando a superação de regimes ditatoriais. “O Brasil avançou ainda menos que o Chile. Na nossa cultura política, uma parte da sociedade acredita que o período militar teria sido melhor – do ponto de vista econômico, dos costumes e até politicamente – se comparado ao período da redemocratização.” Essa lacuna histórica, segundo ele, explicaria o porquê das declarações de Bolsonaro terem causado tamanha indignação em outros países,  enquanto é “normalizada” por setores da direita e pela mídia tradicional por aqui.