Afinidade ideológica

Indicação de Augusto Aras para PGR demonstra compromisso do escolhido com o governo Bolsonaro

Advogada da Rede Feminista de Juristas destaca que Aras foi escolhido à revelia de seus colegas do Ministério Público

Roberto Jayme/TSE
Roberto Jayme/TSE
Augusto Aras não estava sequer entre os três nomes indicados pelo Ministério Público Federal na lista tríplice entregue ao presidente da República

São Paulo — A indicação de Augusto Aras para Procurador-Geral da República (PGR) segue a ideia de nomear para cargos importantes do país pessoas “fieis aos propósitos conservadores” do governo de Jair Bolsonaro, seja na economia, na política, na cultura ou, como é o caso, na Justiça. Esta é a análise da advogada Tainã Góis, co-fundadora da Rede Feminista de Juristas

“A nomeação do Aras foi muito bem pensada. Ele vem pra dizer que ‘estamos vinculados ao governo federal’ e fecha um compromisso. Se foi nomeado pelo presidente à revelia dos seus próprios pares, quer dizer que ele tem compromisso com o outro lado”, afirma, em entrevista ao jornalista Glauco Faria, na Rádio Brasil Atual.

Para ela, a indicação de Aras tornará o MPF alinhado a pautas, por exemplo, contrárias ao debate sobre questões de gênero e o recrudescimento da persecução penal. A escolha do procurador revoltou colegas e entidades de classe da categoria, pois Augusto Aras não estava entre os nomes indicados pelo MPF na lista tríplice entregue ao presidente da República.

Com Aras no cargo de PGR, a advogada acredita que o MPF terá sua autonomia reduzida. “Na verdade, ele (Bolsonaro) é um grande centralizador de poder em torno do Executivo, e nomear alguém fora da lista indicada pelo MPF é justamente centralizar o poder nele.” Tainã pondera que Augusto Aras “não teve dificuldade” em trocar a diminuição da independência do MPF pela sua indicação como Procurador-Geral da República. 

“É o grande mito do combate à corrupção. O combate à corrupção, na verdade, é uma ferramenta para fazer uma disputa política por fora dos marcos constitucionais e democráticos”, afirma a cofundadora da Rede Feminista de Juristas. Ironicamente, ela lembra que os governos petistas de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, acusados de autoritarismo, foram os únicos a respeitar o MPF e indicar sempre o primeiro colocado da lista tríplice. Fernando Henrique Cardoso e Michel Temer indicaram procuradores que não forma os mais votados por seus pares.

Por sua vez, ela avalia, Bolsonaro faz agora exatamente o que antes criticava, ao afastar pessoas que poderiam investigar o governo e nomeando para cargos importantes pessoas alinhadas à sua ideologia, desrespeitando a autonomia das instituições. “E minando todas as formas de haver um combate justo e efetivo contra a corrupção. O que está acontecendo é a quebra total da estabilidade entre os poderes”, acrescenta Tainã Góis.

Abuso de autoridade

Sancionada pelo presidente Bolsonaro com veto de 36 dos seus 108 dispositivos, a Lei de Abuso de Autoridade tem, segundo a advogada, o objetivo de coibir e criminalizar condutas que já não são lícitas de agentes públicos, como policiais, membros do Ministério Público e Judiciário. Como exemplo, a condução coercitiva de pessoas sem jamais terem sido chamadas para depor, expediente largamente utilizado pela Operação Lava Jato.

“É uma lei que responde à necessidade de coibir o uso extensivo do monopólio da força do Estado. Ela é importante para a proteção do cidadão contra a persecução penal”, explica Tainã Góis. Desta forma, práticas que já eram ilícitas agora têm tipos penais para responsabilizar agentes públicos que cometerem esses delitos.

Segundo ela, há descontrole na atuação de polícias e do Ministério Público (MP), que acabou se tornado um “quarto poder” na sociedade. “Como quem julga os agentes que cometem essas condutas são o próprio Ministério Público, a polícia e o Judiciário, fica muito difícil sem uma norma clara que criminalize. Mas a própria lei vai ser aplicada pelo Ministério Público e o Judiciário”, explica.

Confira a entrevista completa