Perspectivas

Impeachment de Dilma interrompeu tentativa de reforma constitucional da segurança pública

Ex-ministros José Eduardo Cardozo e Raul Jungmann, além da procuradora Samantha Chantal Dobrowolski, debatem alternativas institucionais e políticas na área de segurança

Eduardo Maretti
Eduardo Maretti
Samantha, Jungmann e Cardozo debatem a questão da segurança pública na Universidade de São Paulo

São Paulo – O Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP) reuniu, na tarde desta segunda-feira, o ex-ministro da Justiça (2011-2016) José Eduardo Cardozo, o ex-ministro da Defesa (2016-2018) e da Segurança Pública (2018), Raul Jungmann, e a procuradora Samantha Chantal Dobrowolski, representante do Ministério Público Federal no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), para debater “Corrupção Política e Crime Organizado no Brasil”.

Cardozo enfatizou a necessidade de uma alteração na Constituição de 1988 para colocar a segurança pública como atividade concorrente entre União, estados e municípios, ao mesmo tempo introduzindo a competência legislativa concorrente entre os entes, de forma que todos pudessem legislar, mas obedecendo a normas gerais da união. A iniciativa – que estava sendo trabalhada no período do governo Dilma Rousseff – foi paralisada com o processo do impeachment.

“Nós temos hoje um crime organizado internacional, e não temos sequer a nacionalização das políticas públicas de segurança no Brasil”, disse. Ele também mencionou como muito problemática, no enfrentamento à questão da segurança pública, a disparidade e a falta de dados estaduais que possam servir da parâmetros na elaboração de políticas nacionais e regionais.

“Os padrões metodológicos de aferição da ilicitude no Brasil são muito díspares. Por exemplo, se uma pessoa cai na rua com um tiro na testa, sem arma na mão, alguns estados dirão que é homicídio, outros que é ‘encontro de cadáver’, ou mesmo causa ‘indeterminada’.  Ou seja, isso não entra nos cálculos.”

Metástase

Raul Jungmann destacou a situação do Rio de Janeiro como símbolo de algo que pode se tornar nacional. “O que está acontecendo hoje no Rio é uma metástase, o que significa dizer que o crime organizado, articulado com a política e com a corrupção, chegou a um ponto tal que – mesmo que exageradamente – se diz que o Estado é a milícia no Rio de Janeiro.”

“Podemos dizer que por 30 anos tivemos governos – exceto Collor – de centro-direita à centro-esquerda democráticos, muito distantes do que está posto aí hoje. Onde nós falhamos?”, questionou Jungmann.

Para ele, a esquerda, centro-esquerda e setores progressistas têm o desafio de encarar a segurança pública como uma pauta da qual abdicaram. “Setores democráticos e a esquerda abraçaram os direitos humanos, muito generosamente, e tinha que fazê-lo, porque vínhamos do regime militar”, observou. “Mas é preciso agora evitar essa dicotomia de que segurança pública é com eles (a direita) e os direitos humanos conosco (setores progressistas). Enquanto nos entretínhamos com essa polaridade PT x PSDB e suas tribos conexas, isto (que deu origem ao atual cenário brasileiro) vicejava.”

Na opinião de Cardozo, a falta de quadros da Polícia Federal (PF) – em comparação com a amplitude de suas tarefas – é gritante. Segundo ele, a PF tem hoje em torno de 15 mil cargos preenchidos por homens e mulheres, e a Polícia Rodoviária Federal aproximadamente o mesmo número. “Só a Polícia Civil do estado de São Paulo tem 30 mil e a Polícia Militar cerca de 100 mil. A PF, de atuação nacional, não chega a arranhar o efetivo de um só estado. Com isso precisa fiscalizar fronteiras, combater narcotráfico e muitas outras coisas.”

Cardozo também lembrou o bombardeio que sofreu quando lhe cobravam “autoridade” na condição de ministro de governo, como “chefe” da Polícia Federal, em 2016, ano da queda de Dilma. “O ministro da Justiça é o chefe da Polícia Federal entre aspas. E é curioso, porque nos cobram muito essas aspas. As pessoas diziam: ‘mas como você permitiu aqueles abusos da PF?’. Eu posso achar que um mandado judicial é abusivo, mas não posso punir um policial por ele cumprir um mandado judicial! Mesmo achando um abuso o que o juiz pediu ou o promotor ou o delegado pediram. Se tem uma autorização judicial, não há infração disciplinar”, explicou. “Eu apanhei por causa disso meses a fio, da direita, da esquerda, do centro, de baixo, de cima, de todos os lados.”

Samantha Chantal Dobrowolski  afirmou que o crime organizado é um fenômeno que ultrapassa as fronteiras nacionais no novo desenho do mundo. “As organizações criminosas estão exportando sua tecnologia para a Europa e países europeus estão preocupados. O movimento que cresce no Brasil a partir dos anos 90 tem a ver com combate a carteis e suborno transacional, ou seja, é um efeito da globalização econômica”. Segundo ela, as estruturas de combate e fiscalização do crime esbarram na falta de infraestrutura nos órgãos.

“Corrupção, crime organizado e sistema prisional são faces de uma mesma realidade”, disse Cardozo. Para o ex-ministro petista, boa parte da violência no Brasil se relaciona com o sistema prisional. “E nós não falamos disso, só falamos em aumentar a pena e prender.”

Ele lembrou que, quando era ministro, o Brasil detinha a quarta maior população carcerária do mundo, atrás apenas de Estados Unidos, China e Rússia. Hoje já estamos em terceiro, à frente da Rússia.

Moro e Al Janiah

À RBA, Cardozo falou sobre sua impressão a respeito do ministro da Justiça, Sergio Moro, e comentou o ataque ao restaurante Al Janiah, na madrugada de domingo (1º). “Tem que haver resposta imediata e efetiva das autoridades”, disse, sobre o restaurante árabe. “As autoridades não podem tolerar isso e não podem se acumpliciar silenciosamente. É um crime que tem que ser investigado e punido com o máximo de rigor.”

Sobre Moro, afirmou ter se surpreendido muito quando o ex-juiz aceitou o cargo de ministro de Jair Bolsonaro. “Fiquei bastante impactado, porque quem tinha atuado como juiz nas causas em que atuou deveria ter-se autolimitado, não atuar num governo que, de certa forma, ele contribuiu direta ou indiretamente para eleger.”

 

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