Entrevista

Sabrina Fernandes: ‘Temos de mostrar serviço, e isso só se faz coletivamente’

A socióloga defende que as pessoas saiam das redes e falem sobre política de forma direta no seu cotidiano, para reverter o cenário político adverso

Reprodução YouTube
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São Paulo – “Precisamos ter foco na construção de base, reconquistar a classe trabalhadora, trabalhar a politização, a gente tem que entender que ter uma base eleitoral – que também derreteu bastante por formas despolitizadas, por medo, por fake news e outras questões – não é a mesma coisa que uma base concreta. Uma base concreta precisa ser construída no cotidiano, com solidariedade, mostrando a ação conjunta. Nós temos que fazer uma política em que seja possível que a esquerda ganhe confiança com as pessoas.”

Esta é uma das iniciativas que a esquerda precisaria tomar para enfrentar o atual cenário político adverso no Brasil, segundo a socióloga Sabrina Fernandes, produtora do canal de divulgação científica e política Tese Onze. Sabrina, que está lançando o livro Sintomas Mórbidos – A Encruzilhada da Esquerda Brasileira, lembra ainda que no movimento chamado de #ViraVoto, quando pessoas saíram às ruas para dialogar de forma direta com outros eleitores buscando trazer votos para a campanha de Fernando Haddad (PT), muitos que eram abordados tinham pautas comuns à esquerda, mas o antipetismo, as fake news e a ideia de que Bolsonaro era antissistema e iria “consertar tudo” era algo muito presente.

“Precisamos dessa desconstrução, de uma situação que tem a ver com todo um processo midiático, da imprensa burguesa, de anos na cabeça das pessoas, depois as fake news do WhatsApp, mas também com o próprio distanciamento da esquerda da base, acreditando que se tivéssemos narrativas fortes de vez em quando e palavras de ordem as pessoas iriam continuar ali”, diz, em entrevista a Marilu Cabañas e Glauco Faria, no Jornal Brasil Atual.

Ao capitalismo, destaca Sabrina, não basta apenas a força da coerção, ele favorece algumas linhas de pensamento para reproduzir ideologias que ajudem as pessoas a consentir com o espírito do sistema, como os conceitos de empreendedorismo e coaching.

“Quando a gente olha para a classe média e vê que ela comprou a ideologia capitalista, não é que as pessoas em si sejam horríveis, claro que temos no Brasil pessoas que são racistas, machistas, elitistas e tudo o mais, mas não é um problema moral, e sim de sistema”, avalia. “O sistema conta para as pessoas que a única forma de elas terem qualidade de vida é acreditando em uma escadinha de mobilidade social, que precisam cuidar de si próprias e esse é o único caminho porque não seria possível ter um sistema econômico que cuide da maioria.”

Ela também fala sobre a necessidade de as pessoas saírem das redes sociais para o diálogo e envolvimento pessoal. “Temos que mostrar serviço e isso só se faz coletivamente. Sempre incentivo as pessoas: se você está em um local de trabalho que tem sindicato, tem que se filiar, dispute com uma chapa; se você está em um bairro, procure movimentos sociais, de comunidade”, aponta.

“Procure partidos, é muito importante lembrar que a ferramenta ‘partido’ é necessária porque é de maior totalidade, apresenta um projeto político para além daquela situação material imediata. Há um movimento muito antipartido no Brasil hoje, pessoas que não querem bandeiras, e como revertemos isso? Não é simplesmente dizendo ‘você vai ter que engolir o partido querendo ou não’. A gente precisa fazer com que os partidos façam sentido na cabeça das pessoas, porque hoje elas identificam partidos com legendas, e partido não é uma organização somente para o momento eleitoral, tem que dar a liga, conectando todas essas lutas e demandas. É um esforço que precisa ser feito para trazer as pessoas para dentro”, afirma.

A socióloga fala sobre a necessidade se travar o embate com a extrema-direita, mas não nos moldes adotados por esse segmento. “Temos que entrar na disputa, mas não vamos fazer no mesmo nível e com as mesmas táticas que eles. Fake news de esquerda é algo inaceitável”, ressalta. “Não dá apenas para entrar na gritaria. Estou ali no YouTube, olho para os canais de direita que estão sempre em cima de fake news, extremamente ofensivos, tentam ganhar na base da gritaria e como estavam sozinhos, conseguiram ganhar bastante terreno.”

“Acredito que temos que focar na formação, as pessoas precisam aprender pensamento crítico e autonomia, como ensinava Paulo Freire, que não é odiado pela direita brasileira por acaso. É odiado porque trouxe ferramentas e reflexões que nos ajudam a orientar as pessoas a tomar decisões por conta própria, de acordo com aquilo que faz sentido na sua realidade.”

Confira a íntegra da entrevista

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