boca de lodo

Para analistas franceses, Bolsonaro é ‘incapaz de construir um discurso coerente’

Tática do presidente brasileiro atrai um certo público, mas não respeita regras do jogo democrático

Carolina Antunes/PR
Carolina Antunes/PR
Dentro desse discurso de Bolsonaro, as contradições entre vários assuntos, o uso de mentiras que podem ser provadas com fatos, a recusa em responder uma questão que acabou de ser feita ou respostas inadequadas, estão presentes

São Paulo – Ao analisar falas sobre temas “diversos” como como apologia à ditadura civil-militar, preconceitos de vários tipos, desprezo pelo meio ambiente e também sobre cocô, especialistas franceses afirmam que o presidente Jair Bolsonaro (PSL) possui um discurso incoerente com seu cargo. Eles afirmam ainda que a normalização dessa linguagem “crua” do chefe de Estado pode levar a consequências negativas para a representatividade do país, tanto no cenário internacional quanto no nível das instituições democráticas brasileiras.

À Radio France International (RFI), Liz Feré, professora de Análise do Discurso na Universidade Sorbonne Paris 8, afirmou  que os discursos de Bolsonaro são manobras para se esquivar de discussões sérias, para as quais não possui preparo. “É uma forma discursiva comum nos países com líderes autoritários, como é também o caso do ministro do Interior italiano, Matteo Salvini, ou do presidente americano Donald Trump, entre outros”, diz.

“Eu diria que ele é incapaz de construir um discurso coerente”, afirmou Liz Ferré, sobre Bolsonaro. “Você vê que ele não fala dentro de um discurso público esperado de um chefe de Estado. Ele fala fora desse contexto protocolar de uma coletiva com jornalistas ou outros dirigentes, como se estivesse no âmbito de discurso privado, tomando uma cerveja num domingo com amigos”, acrescenta.

Patrick Charaudeau, pesquisador francês e professor da Universidade Paris 13, compara Bolsonaro ao ex-candidato à presidência francesa Jean-Marie Le Pen, do partido de extrema direita Frente Nacional. Segundo Charaudeau, os dois compartilham a mesma linguagem do “carisma do poder e da brutalidade”. “É um paradoxo: quanto mais um líder político se mostra brutal, mais ele terá o favoritismo de uma parte da população que se encontra frustrada”, explica.

O discurso cru

Professora na Universidade Paris Nanterre e analista do discurso do Brasil contemporâneo, Ingrid Bueno Peruchi afirma que o problema com a linguagem “crua” de Jair Bolsonaro é que ele parece ignorar as regras das instituições. “A atividade dos políticos no Brasil, sobretudo na esfera federal, é submetida a um código de ética e de comportamento voltado à segurança dos valores deontológicos e morais compartilhados pela sociedade. A constituição federal de 1988 prevê, aliás, a perda do mandato de um deputado ou senador que não respeitar os princípios de dignidade ou integridade”, analisa.

Para ela, esse estilo de comunicação reforça uma imagem outsider de Bolsonaro, aproximando-o ainda mais de uma parcela da população que leva suas falas “na brincadeira”, apesar da truculência de seus pronunciamentos. Por outro lado, Birgitta Dresp, especialista do Centro Nacional de Pesquisas Científicas (CNRS na sigla em francês – maior órgão público de pesquisa científica da França e uma das mais importantes instituições de pesquisa do mundo), explica que essas táticas discursivas não são inovadoras e são investigadas há muitos anos.

Dentro desse padrão, as contradições entre vários assuntos, o uso de mentiras que podem ser provadas com fatos, a recusa em responder uma questão que acabou de ser feita ou respostas inadequadas, estão presentes. “É um processo de sedução e não de comunicação no sentido científico do termo. A sedução ocorre por meio de vários mecanismos: o chocante pode seduzir às vezes até mais do que o que é agradável. Tudo é uma questão de contexto no discurso político”, afirma Birgitta.

Liz Feré diz que preocupa o fato de que, ao invés de questionar e cobrar um posicionamento mais de acordo com as normas internacionais da retórica de um presidente, boa parte dos eleitores gostam dele justamente por sua atitude de provocação diante das instituições políticas clássicas. “Ele ganhou as eleições exatamente com esse discurso, por causa desse discurso. O mais grave é que foi se instalando, aos poucos, essa possibilidade de aceitar isso.”

Na avaliação do professor da Fundação Escola de Sociologia e Política Paulo Silvino, as falas “escatológicas” do presidente vão além do constrangimento e representam “desrespeito, despreparo e descompromisso” com o Brasil.  À Rádio Brasil AtualSilvino disse que esse tipo de discurso agressivo, que mantém o “tom de campanha”, serve para encobrir a falta de propostas de Bolsonaro para o país.

Leia também

Últimas notícias