Menos celular, mais rua

Wellington Dias: para virar o jogo, é preciso ampliar alianças, sair da internet e oferecer esperança

Governador do Piauí pede 'defesa permanente da Constituição', se diz favorável a mudanças na Previdência e prega agenda comum pela preservação da democracia

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Ao lado do jornalista Altamiro Borges, do Barão de Itararé (esq.), o governador do Piauí debate o cenário político e social

São Paulo – “É necessário que a gente se volte para a pauta do Brasil”, diz o governador do Piauí, Wellington Dias (PT), que defende uma agenda que unifique mais partidos: “Não dá para nos limitarmos a dois, três. No principal, tem muita convergência”. De outro lado, mais mobilização na rua e menos ativismo digital. “Vamos ter de parar de acreditar que vamos resolver tudo no celular, nas redes sociais”, afirmou o governador, durante entrevista coletiva a veículos alternativos de comunicação, na noite de ontem (18). Foi a terceira entrevista com governadores promovida pelo Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé, no centro da capital paulista. Em março, esteve no local Flávio Dino (PCdoB), do Maranhão, e em junho Rui Costa (PT), da Bahia.

Na questão da necessidade de ampliar forças políticas, os três governadores têm pontos de vista semelhantes. Para Dias, é preciso ter clareza “da importância de não perder ninguém” ao somar alianças pela democracia. “Vamos ter que nos juntar com pessoas com quem temos divergência.” Ele lembra do período da redemocratização e das Diretas Já, bandeira que ainda nos anos 1980 uniu nomes como Ulysses Guimarães, Leonel Brizola e Luiz Inácio Lula da Silva, entre outros.

Isso inclusive será importante para a campanha pela libertação do ex-presidente, argumenta. “É muito importante a campanha do ‘Lula Livre’. E mais importante se ela for casada com a pauta do povo”, diz o governador piauiense, observando que é possível associar a ausência de Lula à falta de programas sociais, como o Mais Médicos ou o Bolsa Família, ou ações como a Transnordestina. “Se não tivermos capacidade de grandes mobilizações, dificilmente a gente tira o presidente Lula.”

Esperança

Ao lado de Rui Costa, há três semanas Dias visitou Lula na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, onde está preso desde a noite de 7 de abril de 2018. “Nós vamos dar apoio, e é a gente que sai de lá cheio de energia”, conta o governador, ressaltando a disposição do ex-presidente, que falou em esperança. Uma questão de sobrevivência para o país, avalia Dias. “Se esse campo político do qual eu faço parte não trouxer esperança, não se apresentar como alternativa para valer, outros vão ocupar espaço.”

Durante a entrevista, ele falou em se preparar para 2022 e da importância da eleição municipal do ano que vem. Mas ressaltou que é preciso haver “defesa permanente pela Constituição, da democracia”.

Dias avalia que foram cometidos erros no início da segunda gestão de Dilma Rousseff – em 2011, ele era senador e um dos líderes da bancada governista. Um desses erros, segundo ele, foi nomear Joaquim Levy para o comando da economia. “O papel do poder público é fazer o anticíclico, criar, um ambiente favorável ao crescimento”, afirma. Para ele, também faltou fazer a reforma política e discutir a questão da comunicação no Brasil. Mas o governador também sai em defesa da ex-presidenta: “Eu digo que se tiver só 10 brasileiros honestos, a presidenta Dilma está no meio”.

É preciso enfrentar alguns temas e não cair em tentações como caminhos que levem à queda ou ao enfraquecimento do governo atual. “Não podemos entrar nessa onda. Temos de ser coerentes com a nossa defesa pela democracia. Temos que seguir no nosso manual, que é a Constituição”, defende.

Previdência

Um dos temas é o da “reforma” da Previdência, que o governador petista defende, mas não da forma como foi apresentada pelo governo. “Não pode um campo político como o nosso não fazer o debate correto. Previdência é questão de equilíbrio”, diz, dando o exemplo de seu estado, onde em 2018 as despesas com aposentadorias e pensões somaram em torno de R$ 1,8 bilhão, para uma receita de R$ 750 milhões, sendo dois terços das empresas e um terço dos servidores – o que, consequentemente, levou a um gasto de R$ 1,050 bilhão.

A “reforma” discutida agora em nível federal não resolve o problema, afirma Dias. “Não se faz reforma apenas pensando em alíquotas, idade, tempo de contribuição. Tem de ter receita nova.” Possíveis fontes viriam da tributação de lucros e dividendos e do combate à sonegação. Outra seria da venda de petróleo e gás. “Aprovada do jeito que está, até 2022 mais estados ficarão na situação do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás e outros. O tempo dirá.” Mas ele não acredita em mudanças no Senado – para inclusão de estados e municípios, por exemplo –, lembrando que isso forçaria a um retorno do projeto para a Câmara.

É preciso também, acrescenta o governador, refletir sobre outras questão delicadas, como o crescimento do chamado anti-petismo, a relação com os evangélicos e o diálogo com a dita “nova classe média”, que cresceu justamente em gestões do PT. “Vamos precisar ter a capacidade de despertar esperança.”

Consórcio

Ele destaca a articulação entre os governadores. Nove se uniram em defesa da liberdade de Lula. Quatorze repudiaram a política de Jair Bolsonaro sobre armas. E as 27 unidades de federação estão se mobilizando em torno da reforma tributária. Uma proposta que Dias considera importante é a de um fundo de desenvolvimento regional. “Nós temos que defender essa política do incentivo fiscal. Todos os estados dão. Meu estado abre mão de R$ 600 milhões por ano em favor de empresas, porque senão não vai ter nenhuma empresa lá. Então, o que está colocado é: nos próximos 10 anos, a empresa que tem 100% de incentivo vai ter 90, 80, 70, até zerar. E esse dinheiro vai formar um fundo de desenvolvimento regional.”

Nesse sentido, o Consórcio Nordeste pode apontar caminhos, acredita, observando que a queda nos indicadores de violência neste início de ano, por exemplo, deve-se em boa parte a uma política integrada na região, que também aposta no potencial econômico e turístico. “A ideia do Consórcio permite que a gente pare de trabalhar um estado como se fosse concorrente do outro.” Ele dá um exemplo, citando as regiões de Jericoacoara-Cambuci, no Ceará, Delta do Parnaíba (Piauí) e Lençóis Maranhenses, que estão sendo integradas para exploração do turismo. “No dia 23, vamos inaugurar a primeira trilha internacional para quadriciclo e triciclo nessa região.”

No início de agosto, alguns governadores viajarão à China. Ontem mesmo, o próprio Dias visitou a Câmara de Comércio Árabe Brasileira, em São Paulo, apresentando projetos e propostas de parcerias. Segundo Dias, o Piauí é o terceiro estado brasileiro em produção de energia solar e o quarto em energia eólica. O Consórcio também trabalha para uma formação de uma rede nordestina de rádios e TVs públicas. “A previsão é que a gente possa celebrar um regramento em agosto”, adianta o governador.

Ele destacou também melhorias em seu estado. “Todos sabem que o Piauí entrou no século 21 como patinho feio do Brasil”, diz. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), por exemplo, estava em 0,4 e deve chegar este ano em 0,7. O número de escolas de ensino médio se multiplicou e o total de pessoas com esse grau de escolaridade saltou de 400 mil para 1,2 milhão. Todos os municípios têm educação profissionalizante e 182 dos 224 contam com ensino superior – e, nesse caso, 72% das vagas vêm de alunos da rede pública.

Antes do início da entrevista coletiva, foi feito um minuto de silêncio em homenagem ao jornalista Paulo Henrique Amorim, que morreu na semana passada. Responsável pelo centro, Altamiro Borges lembrou que Amorim era “presidente de honra” do Barão de Itararé.