Articulação

Bolsonaro pode indicar nome de fora da lista tríplice para sucessão da PGR

Bastidores indicam que diante dos vazamentos do 'The Intercept', desgastes de Raquel Dodge e lista da ANPR, governo pode romper a tradição e escolher um dos candidatos que correm por fora ou até nomes não cogitados publicamente

José Cruz/Agência Brasil
José Cruz/Agência Brasil
Raquel Dodge está se movimentando para ser reconduzida. Embora desgastada entre os colegas, ela tem conversado com autoridades, mas oficialmente tem descartado a hipótese

Brasília – Em meio às discussões dos magistrados, procuradores e políticos sobre as fragilidades da Operação Lava Jato, por conta dos vazamentos de conversas divulgados pelo site The Intercept, a próxima indicação para o cargo de procurador-geral da República será bem diferente do que o país está acostumado a ver e poderá ter resultado imprevisível. Primeiro, porque apesar da pressão de várias entidades, ainda não há certeza se o presidente Jair Bolsonaro (PSL) escolherá para a vaga um dos indicados da lista tríplice, eleita no último dia 18, ou outro nome entre os quase mil membros do Ministério Público Federal (MPF).

Depois, porque pela primeira vez há procuradores que preferiram se candidatar fora da lista. E por fim, há também uma movimentação procuradora atual, Raquel Dodge, para ser reconduzida. Embora desgastada entre os colegas e oficialmente descartando a hipótese, ela vem conversando com autoridades diversas.

Conforme a avaliação de setores do Judiciário, a decisão passa, além de Bolsonaro (e seu humor oscilante sempre que questionado sobre o assunto), pelos padrinhos políticos dos candidatos nos tribunais superiores e, sobretudo, pelo ministro da Justiça, Sergio Moro. Mas entre os cidadãos, a pergunta mais importante é: o que pode mudar na atuação do MPF – acusado de fazer um trabalho cada vez mais seletivo de investigação – de setembro em diante?

No último dia 18, após votação de 946 membros ativos do MPF, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), que organiza a lista desde 2001, anunciou que dos 10 candidatos inscritos, foram escolhidos os procuradores Mário Bonsaglia – este, que está na disputa pela terceira vez e foi o mais votado –, Luiza Frischeisen e Blal Dallou.

Além destes, fazem parte da disputa Raquel Dodge e o subprocurador-geral Augusto Aras, que se lançou oficialmente candidato, mas fez questão de não ser incluído na lista da ANPR, por se manifestar, há anos, contrário a este tipo de seleção. Seu entendimento é de que da forma como é feita, a seleção divide o MPF em grupos e, dessa forma, “politiza a instituição”, o que ele considera “ruim para todo o Brasil”.

Bolsonaro já disse que “tudo é possível” e que “todos os nomes são bons para a PGR”, dando a entender que pode indicar qualquer procurador para o cargo. Apesar disso, Bolsonaro recebeu Raquel Dodge para uma conversa e foi procurado pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, para falar do assunto, conforme contaram fontes do tribunal.

‘Mais republicano’

A pressão para que as regras continuem sendo seguidas já está a toda. Além da ANPR, procuradores que integram as operações Greenfield, Zelotes e Lava Jato divulgaram nota pedindo ao presidente para ser repetido o sistema em vigor há 18 anos. E destacaram a importância desse processo ser considerado até hoje “o mais democrático e mais republicano” para condução do procurador-geral.

Entre vários pontos destacados no documento, o grupo ressaltou que a escolha por meio da lista ajuda na independência da atuação do próximo procurador-geral em relação aos demais poderes da República.

Raquel Dodge, que assumiu o cargo em 2017 com a imprensa destacando sua atuação nas áreas de defesa dos Direitos Humanos e proteção ambiental, terminou tendo sua gestão mais destacada pela prioridade que deu à esfera criminal do que aos temas aos quais se propôs dar atenção especial. O que tem levado a críticas diversas.

Alguns juristas acham, conforme anuário do site Consultor Jurídico, que o MPF conduzido por Dodge teria deixado de lado as “competências e responsabilidades da tutela coletiva”, ou seja, “aberto mão da função de representante da sociedade em nome do combate à corrupção”.

Sistema acusatório

Procurada para falar a respeito, a procuradora negou a crítica. E tem afirmado, sempre que perguntada, que o combate à corrupção está diretamente ligado à promoção dos direitos humanos. Mas é fato inconteste que desde junho de 2018 a PGR passou a se posicionar, por meio de manifestações, recursos e memoriais, na defesa do sistema acusatório, dando a entender que este estaria “em risco”, devido ao grande número de decisões monocráticas (unilaterais) dos ministros do STF que determinaram o arquivamento de investigações criminais.

Internamente, a procuradora propôs mudanças na organização da instituição que foram rejeitadas numa nota por mais de 600 procuradores. Dodge também já teve de enfrentar nota de representantes do MPF nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Distrito Federal, que reclamaram da falta de investimentos em tecnologia para a condução das investigações.

Ela, por outro lado, comemora o fato de delatores já terem devolvido, ao longo destes dois anos, R$ 1,1 bilhão, valor correspondente ao pagamento de multas e perda de bens resultantes de acordos de delação premiada firmados pelo MPF e formalizados pelo STF. “É imperativo cobrar do colaborador a devolução dos valores desviados, seja os que estão no Brasil, seja os que se encontram no exterior, além do pagamento da multa penal”, disse.

Entre seus assessores, o que se conta em relação à sua recusa em participar da lista tríplice é que o gesto não foi uma intenção de não disputar o cargo máximo outra vez, mas de discordar de mudanças feitas este ano pela ANPR, que excluiu da votação procuradores aposentados e liberou candidaturas de procuradores regionais (que para ela são considerados o segundo nível da carreira).

A verdade é que Dodge primeiro negou que seria candidata à recondução do cargo. Depois, fez vazar que estaria à disposição para mais um mandato em eventos do Judiciário e em audiências com o presidente e ministros do STF e do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Nas últimas semanas, ela conversou com Moro e com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). E tem recebido comentários elogiosos sobre sua recondução dos governadores de São Paulo, João Doria (PSDB), e de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), além do ministro da Casa Civil, Onix Lorenzoni (DEM).

Entre seus outros concorrentes, o subprocurador Mário Bonsaglia, que está no MPF desde 1991 já foi diretor da ANPR e membro do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Considerado um candidato de perfil discreto e independente, ele já coordenou a 7ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF (que tratou do controle externo da atividade policial e sistema prisional) e hoje integra a 6ª Câmara (com trabalhos referentes a populações indígenas e comunidades tradicionais). Bonsaglia tem evitado dar entrevistas a respeito da presença de seu nome na lista.

Aumento da transparência

Já a subprocuradora-geral Luiza Frischeisen é a única mulher concorrendo na lista este ano. Ela foi conselheira do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e integra o Conselho Superior do MPF (CSMPF). Também coordena a 2ª Câmara de Coordenação e Revisão (Criminal) do MPF. Desinibida e tida como bem preparada, costuma defender o aumento da transparência da carreira do MPF.

Frischeisen afirmou recentemente que o CNMP deveria seguir o exemplo do CNJ e produzir mais estatísticas sobre o Ministério Público. É considerada próxima do subprocurador Nicolao Dino, irmão do governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), ao ponto de só ter sido candidata depois que Dino anunciou que iria desistir da disputa.

Blal Dalloul, por sua vez, é procurador desde 1996, mas antes foi servidor do MPF durante 11 anos. Foi secretário-geral do MPF na segunda gestão de Rodrigo Janot e secretário-geral do CNMP. Hoje, ele exerce o ofício criminal na Procuradoria Regional da República da 2ª Região (Rio de Janeiro e Espírito Santo). Tem pregado em suas falas a necessidade de mais diálogo dentro do MPF.

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