Estado de exceção

Portaria 666 é ‘verdadeiro AI-5’ contra população estrangeira no Brasil

Juiz afirma que análise da medida de Moro será prova de força para instituições do país. À Rádio Brasil Atual, magistrado também alerta que investigações deveriam focar na operação Lava Jato

Marcelo Camargo/EBC
Marcelo Camargo/EBC
“Se essas instituições ainda estiverem funcionando, elas declararão inválida essa portaria, não darão a menor validade jurídica”, afirma André Bezerra

São Paulo – A Portaria 666/2019 “é um verdadeiro AI-5 para a população estrangeira que vive no Brasil”. A afirmação é do juiz de Direito André Bezerra, doutor pelo programa Humanidades e Direitos da Universidade de São Paulo (USP). Em entrevista a Marilu Cabañas e Glauco Faria, da Rádio Brasil Atual, o magistrado analisou a medida, publicada na sexta-feira (26) no Diário Oficial da União, pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro. A portaria, ao prever a deportação sumária de “estrangeiros perigosos”, é comparável, na avaliação de Bezerra, ao ato institucional que, na prática, oficializou – a partir de 13 de dezembro de 1968 – a tortura ao permitir que os ditadores punissem arbitrariamente o que consideravam como “inimigos”.

“Ela permite, no final das contas, pelo caráter vago de suas palavras, que um dado grupo político, independente de qual seja, expulse uma determinada pessoa que o incomode tal como o regime ditatorial e como se fazia no AI-5”, contesta o juiz. Dispondo sobre o impedimento de entrada no país, repatriação, deportação sumária de pessoas perigosas ou que tenham praticado atos contrários à Constituição, a medida de Moro será uma prova para averiguar se as instituições de um estado democrático de direito resistem no Brasil. “Se essas instituições ainda estiverem funcionando, elas declararão inválida essa portaria, não darão a menor validade jurídica”, afirma Bezerra.

Desde a publicação, a portaria vem sendo analisada pelo meio jurídico como uma forma de intimidar o jornalista Glenn Greenwald, do The Intercept Brasil, um dos responsáveis pela publicação de uma série de conversas indicando que Moro atuou como chefe da força-tarefa de procuradores da Operação Lava Jato, rompendo o sistema acusatório que proíbe que juízes exerçam o papel da acusação.

Delação de Palocci e ilegalidades de Moro

Divulgada nesta segunda-feira (29) pelo jornal Folha de S. Paulo em parceria com o The Intercept Brasil, a Vaza Jato mostra mais uma situação em que Moro cometeu irregularidades. De acordo com nova informação, Moro divulgou a delação do ex-ministro Antonio Palocci, a seis dias do primeiro turno da eleição presidencial no ano passado, por considerações políticas, impactando negativamente o candidato petista, Fernando Haddad.

Para o magistrado, a conduta de Moro enquanto juiz deveria ser a principal questão a ser investigada, e não a forma como a informação foi obtida. Segundo Bezerra, na própria condução do inquérito da Polícia Federal que atribui a supostos “hackers”o vazamento das informações reveladas pelo Intercept, pesam atuações irregulares por parte de Moro, que chegou a declarar que destruiria provas obtidas pela investigação.

“A primeira coisa que uma autoridade deveria fazer quando ela é investigada, e quando ela vai ser investigada por quem lhe é subordinado, é abrir mão do seu cargo, sair de sua função, deixar que as instituições o investigue. Se não houver nada contra a ele, que ele volte a sua função. E se houver, que ele responda por eventual ilícito praticado”, defende o juiz de Direito.

Bezerra analisa que as investigações têm usado o suposto “hacker” como pretexto para violar um outro princípio básico de uma democracia que é a liberdade de imprensa: “O jornalista tem de ter a liberdade de noticiar, ainda que seja contrário aos interesses de um determinado governo de ocasião”.

Ouça a entrevista completa