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Para conquistar direitos e defender a democracia, é preciso compreender anseios da juventude

Em debate no Centro Barão de Itararé, jornalistas e lideranças refletiram sobre como compreender o jovem não como um todo, mas nas individualidades

arquivo ebc
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É necessária uma adaptação do discurso para evitar a solidão cruel do regime neoliberal de trabalho

São Paulo – A comunicação voltada à juventude foi tema de duas mesas de debates nesta terça-feira (30), o segundo dia  do IV Curso Nacional de Comunicação Barão de Itararé, promovido por aquele centro de estudos de mídia alternativaA informação para este público, que tem grande capacidade de mobilização e consciência crítica, é essencial para o trabalho político de conquistas de direitos e de consolidação dos processos democráticos. O curso do Barão de Itararé temas referentes a comunicação, mídia alternativa e ativismo digital, além de debater a conjuntura política e social do Brasil sob o governo Bolsonaro

Tomando como ponto de partida que é importante entender a juventude não como homogênea, mas segmentada e com características que convergem em grandes e pequenos grupos, além de pontos individuais, Jessy Dayane, coordenadora nacional do Levante Popular da Juventude, afirmou que “quando falamos em juventude da periferia, temos que pensar que existem várias juventudes mesmo que passem por problemas similares. Há uma dificuldade completa em olhar a totalidade. Este é um dos desafios”, disse. “Precisamos pensar quem é a juventude para sabermos como conversar. Os anseios, as ideias e o momento em que vivemos”, completou.

Parte dessa dificuldade em agregar um conjunto maior, com a finalidade de comunicar com mais eficiência sobre a importância do engajamento político, vem de um contexto histórico e político. “Apesar dos governos progressistas que tivemos, a hegemonia do pensamento no mundo é a do neoliberalismo. A juventude é muito marcada pelo individualismo, pela meritocracia, a negação da política, a negação das saídas coletivas e afirmação das saídas individuais. A visão é a de resolver problemas por si”, argumentou Jessy.

Outro elemento que compõe tal característica é a da natureza do trabalho contemporâneo, cada vez mais voltado para o isolamento de classe, sem sequer conjunto sindical, como visto no crescente movimento de pejotização e uberização do mercado. “Há uma profunda fragmentação do trabalho. É uma questão material e objetiva. Não é incomum nossa geração ver uma luta aonde cada um enxerga seu problema e não consegue fazer a ligação com os problemas gerais.”

Avanço e crise

Para o diretor de movimento estudantil da União da Juventude Socialista, Tiago Morbach, a fragmentação é estimulada por ambientes de interação, como as redes sociais. E que é necessária uma adaptação do discurso para evitar a solidão cruel do regime neoliberal de trabalho. “Hoje, tudo nos leva a uma fragmentação. Todos estão discutindo WhattsApp. Ele nos empurra para esse caminho, é uma grande bolha. Precisamos desburocratizar a forma como agimos. Precisamos construir redes de esperança. A crise, o desemprego, vem matando o sonho da juventude. Vem criando desespero. É terrível o jovem sem capacidade de sonhar. Precisamos devolver o direito de sonhar.”

Pautas identitárias

Um tema que passa pela discussão dos anseios da juventude é a luta identitária; a mobilização de grupos fracionados em torno de pautas de interesse. Os debatedores convergiram na importância dos temas, mas discordaram sobre como eles devem ser abordados dentro da política prática, especialmente diante de um avanço de uma extrema-direita antinacional e ultraliberal, que vem passando um trator nos direitos sociais e dilapidando o patrimônio nacional.

Para o secretário nacional de juventude do Partido dos Trabalhadores, Ronald Luiz dos Santos, o Sorriso, as pautas identitárias não são descoladas do contexto da defesa dos trabalhadores diante de regimes de exploração. “Sobre a questão das lutas identitárias, as vejo como estruturais. O racismo se constitui a partir da formação do Estado brasileiro. Elas não são lutas egoístas. Essa questão precisa ser incorporada com respeito e não hierarquizada para baixo pelos partidos e organizações de esquerda”, disse.

Em oposição, o jovem pedetista Germano Johansson, da plataforma TodosComCiro, clama por união em pautas trabalhistas. “Essas questões de identidade são fundamentais de princípio. Temos que carregar como valores básicos da existência. Tenho dificuldade de tratar quando essas questões se transformam na nossa principal pauta política. Nossa principal pauta é econômica. A luta é econômica e sempre vai ser (…) Essas questões são fundamentais mas acho que às vezes deixamos a desejar no debate sobre emprego, renda, acesso à educação, direitos, previdência.”

Como exemplo para seu argumento, Johansson lembrou de estruturas do capital, que promovem segregação, exploração e dão plataforma para a ascensão de movimentos neofascistas, que levantam bandeiras identitárias. “. O Facebook é um aplicativo com políticas identitárias extremamente rigorosas na sua gestão de pessoal. Mulheres em posição de destaque, liberdade de identidade de gênero. Não é diferente do Google e do Uber. Mas essas empresas estão muito distantes do nosso campo. São elas que conduzem as coisas como estão.”

Público e privado

A jornalista Laura Capriglione, dos Jornalistas Livres, fez uma fala bem humorada e, ao mesmo tempo, em tom de apelo pela mudança do tom do discurso dos progressistas. Ao contrário do modelo industrial de comunicação de massas, Laura chamou a atenção para a eficácia da segmentação. “Estamos tentando enfiar goela abaixo todo nosso programa. Tem que gostar de gay, tem que gostar de aborto. Não é assim que se faz política, não é assim que vamos ganhar a guerra (…) Quando vemos uma pesquisa do Ibope, a maior parte da população é contra a flexibilização da posse de arma. É um símbolo do Bolsonaro. Nossa intervenção foi nenhuma”, disse.

Laura ponderou que, de maneira nenhuma, a esquerda pode usar de estratégias tais como a da extrema-direita, de disseminar desinformação e mentiras, as fake news. “Não estou falando para usar fake news como eles. Bolsonaro entrou de sola no lugar dos vigilantes e falou de arma. O resultado foi que 95% votou no Bolsonaro. Isso é comunicação eficaz. Só falaram arma, arma e arma. Só isso. Não estamos conseguindo segmentar os grupos de base. Grupo da igreja, dos professores, simplesmente não conversamos com esses grupos.”

Abraçar o outro

Marcelo Branco, profissional de TICs e integrante do Conexões Globais, apresentou uma série de dados que apontam para o fato de que a extrema-direita já utiliza, há um bom tempo, de tais estratégias de segmentação. Entretanto, se os progressistas pretendem retomar um projeto popular de poder, será necessário abraçar o diferente. “A direita se aproveita de crises institucionais. Eles apresentaram uma alternativa, mas não ganharam a juventude de junho de 2013, por exemplo. Ganharam os velhos. Os grupos de jovens de direita que surgiram após isso, como o MBL, nas ruas eram maiores de 48 anos. Mas impulsionados, supostamente, por uma juventude. Então, a direita não ganhou esses jovens, mas nós os abandonamos. Chamamos eles de coxinhas, de empregados da Globo. Não compreendemos que aquela energia das ruas era uma possibilidade de avançar em reformas propostas por Lula e Dilma.”